Milly Lacombe

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O presidente do Botafogo faz mal ao futebol brasileiro, mas não é o único

John Textor e sua constrangedora pirraça ao final do Brasileirão de 2023 fizeram muito mal ao futebol brasileiro. Com o chilique que resultou no ridículo dossiê que o dono do Botafogo levou até Brasília, onde foi recebido como herói de guerra por deputados infectados de viralatismo, ele aprofundou um tipo de paranoia delirante que é bastante prejuducial.

Agora, qualquer erro de arbitragem vira o fim do mundo. Agora, a dimensão da falha no futebol é encarada como falta de caráter, pilantragem, roubo.

Mas ele não é o único. O que ele fez, sabendo ou não, foi mobilizar um sentimento que estava em circulação por aí e consolidar em documentos. Documentos sem sentido, mas devidamente catalogados.

Antes desse fuzuê, a gente dizia, de forma abstrata, que "o jogo foi roubado". Não queríamos com isso dizer que o juiz estava vendido necessariamente. É óbvio que há casos de juízes que, vendidos ou não, têm suas preferências e se deixam levar por elas em lances duvidosos. Deve haver juízes que topam, por qualquer motivo, decidir a partida (salve salve, seu Amarilla). Deve haver juizes inundados de racismo que são sempre mais duros com atletas negros e sempre mais benevolentes com atletas brancos. Podemos provar que isso existe? Não, não podemos. Podemos dizer categoricamente que isso não existe? Também não. O futebol é um reservatório das nossas melhores e piores características.

Pegando um desvio, seria interessante um estudo que avaliasse esse viés racista da arbitragem durante um jogo.

Voltando: quando Textor e sua incapacidade de ser elegante na derrota transformam tudo numa bagunça, o que ele está dizendo é: esse país não sabe jogar esse jogo e eu, o gringo bilionário que tudo pode, vou ensinar. O CEO que vai salvar o futebol brasileiro.

É um comportamento grotescamente patético.

O futebol é um jogo que não existe sem a dimensão do erro. Ela faz parte do esporte. Todos erram: erra o treinador na escalação e nas trocas, erra o atacante que isola uma bola fácil, erra o zagueiro que não pula e erra o juiz. O VAR chega prometendo acabar com o erro da arbitragem, o que é uma insanidade. O VAR é mais juízes apenas. Usando uma tecnologia que não é capaz de compreender as complexidades do futebol. Não adianta parar a imagem, ver o lance de vários ângulos e em múltiplas velocidades. A gente vai ver o que nosso cérebro condicionado por paixões quiser ver. Futebol é jogo jogado, corrido, em tempo real.

É por isso que treinadores que saem da partida reclamando da arbitragem de forma contundente também não colaboram para que possamos superar essa fase difícil pela qual passamos.

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Tão ruim quanto o juiz que erra é o atacante que simula, induzindo o juiz ao erro. Para estar apto a reclamar do árbitro o treinador deveria impedir que seu goleiro caísse em campo apenas para parar o jogo, fingindo estar contundido. Deveria berrar com o atleta que leva as mãos ao rosto sem que seu rosto tenha sido atingido na disputa. Deveria criticar o jogador que tenta induzir o juiz ou o bandeira ao erro.

Fazemos isso?

Não.

Tudo o que fazemos é reclamar da arbitragem quando perdemos. Como se juízes estivessem separados do jogo, existissem em uma dimensão outra, fossem coisas que não pessoas suscetíveis a erros. Como se nós mesmos não errássemos.

Claro que a batalha por uma arbitragem melhor é o caminho. Devemos lutar para que o VAR seja usado com critério e não fique nas mãos de profissionais que queiram tanto aparecer e brilhar. Juiz bom é juiz invisível. Vale para essa aberração chamada VAR.

Voltando a Textor, deveríamos parar de bajulá-lo tanto. Verdade que ele fez do Botafogo um time competitivo. Mas o futebol é mais do que isso. Textor é um bilionário que resolveu comprar um dos mais tradicionais times do mundo, o time de Garrincha e Nilton Santos. Deveria ter chegado aqui falando a língua desses monstros sagrados. Deveria ter chegado em posição de prece. Deveria ter chegado sabendo o que é o futebol, estudado, se preparado.

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Mas não: basta ser rico, gastar sem medo e transformar o Botafogo em candidato a títulos. Feito isso, Textor pode aprontar como quiser, pode sugerir que o Brasil é uma bagunça e que não sabemos jogar, pode usar o Botafogo como sucursal de sua matriz europeia. E, claro, pode falar inglês quanto quiser. A torcida do Botafogo agora leva faixas na língua do CEO para o estádio, vejam que coisa. Os repórteres fazem perguntas em inglês, olhem que curioso. Não sei você, mas eu acho esse aspecto tão ridículo quanto ofensivo. Aprender a língua de Nilton Santos não é tão difícil assim e até o CEO mais preguiçoso consegue. Basta ter respeito pelo país que o acolheu e pela torcida que ele agora representa. Basta, na real, querer.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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