Torcer para a seleção feminina é ato político por vezes devastador
Somos uma promessa. Desde a década de 90. Éramos grandes quando não éramos sequer levadas a sério. Quando nossas roupas eram muito maiores do que nossos corpos. Quando dirigentes diziam que só poderiam ser convocadas as mulheres bonitas. Nessa época, jogávamos com ginga e com raça e conquistávamos a simpatia do mundo. Era pouco, mas era o que podíamos fazer. Só que, vejam, antes disso era pior: éramos presas e espancadas por jogar futebol. Então, melhorou.
Agora temos investimento (pouco, verdade) -, temos algum respeito (pouco, verdade), temos alguma visibilidade (pouca, verdade). Mas, notem, já é muito além do que jamais tivemos.
Estamos dando tudo isso e vocês não ganham? Queremos resultados, e eles não vêm. O que acontece?
Essa é uma pergunta que não pode ser respondida em duas ou três palavras.
Em poucas gerações tivemos as duas melhores jogadoras do mundo: Sissi e Marta. Sissi não levou troféus ou assinou grandes contratos. Marta ficou com as devidas honras. Queremos que Marta seja eterna. Mas ela não é. E, mais do que isso, é uma heroína de carne e osso que pode, a depender do dia, ser a vilã.
Marta destrambelhou contra a Espanha, foi expulsa e prejudicou o Brasil, que perdeu o jogo e pode não se classificar para o mata-mata. Marta sabia que tinha cometido um grave erro antes mesmo que o juiz levasse a mão ao bolso e sacasse o vermelho. Ela caiu em campo chorando o pranto dos culpados e arrependidos.
O time espanhol, com sua atleta estatelada em campo depois ter recebido o chute de Marta, estava preocupado em consolar aquela que todos conhecem como rainha. Mas Marta estava inconsolável. Saiu envergonhada e devastada.
O Brasil ficou e lutou.
Como pôde diante da melhor seleção do mundo. Dois a zero foi pouco pelo que vimos: uma seleção dominante e a outra recuada. Uma seleção soberana e a outra apequenada. Uma seleção de estrelas e a outra de guerreiras.
Faltando menos de dez minutos para o final, Antonia se machucou. O Brasil já tinha feito todas as alterações e jogava com uma a menos. Antonia teve que voltar. Mancando, se arrastando. Ficou ali pelo meio de campo e, quando precisou correr atrás de uma espanhola, foi pulando em uma perna só. Eu não vi as lágrimas chegando e quando percebi estava aos prantos com aquela imagem.
Passamos por tantas coisas, enfrentamos tantos obstáculos, tantos dirigentes machistas, tantos torcedores misóginos, tanta raiva, tantas agressões, tanto desdém em premiações e agora, com o Brasil inteiro vendo a gente em campo - mulheres com a camisa da seleção - o que temos para mostrar é um time recuado, amedrontado e uma jogadora pulando em uma perna só numa arrancada tão impossível quanto comovente.
Falhamos. Outra vez.
Mas, antes disso, nossa pátria falhou com a gente. Falhou por décadas. Falhou de forma violenta. Falhou com a mão pesada e com o porrete em riste. E isso não tem como ser apagado.
Talvez tenha terminado assim essa fase de nossa história. Talvez a última imagem de Marta com a camisa da seleção seja ela saindo de campo com a cabeça baixa e aos prantos. Talvez Antonia entre para a história como a guerreira que corre atrás da adversária com uma perna só.
Mas talvez não.
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OLHAR APURADO
Uma curadoria diária com as opiniões dos colunistas do UOL sobre os principais assuntos do noticiário.
Quero receberExiste uma chance de nos classificarmos e seguirmos nos Jogos. Pelo menos por mais uma partida. Quem sabe por duas. Por três? Não temos como prever. O que podemos certamente fazer é juntar os cacos e, com eles, construir um mosaico de nossas dores, cicatrizes, sofrimentos mas também glórias, superações e vitórias. O tempo dirá. Até lá a gente lava a camisa, coloca no Sol e deixa ela pronta para a próxima aventura. São mulheres jogando bola, Brasil. E isso é bom demais.
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