Milly Lacombe

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OpiniãoEsporte

Deixem a lutadora argelina em paz

O que precisa ser dito logo de cara: a atleta argelina é uma mulher. Isso não está em debate.

Agora vamos ao contexto.

Ao nascer, Imane Khelife foi identificada como mulher pelo médico, pelo hospital, pelo cartório. E assim ela foi criada.

Para quem diz que ela é intersexo o que precisa ser colocado aqui é que quase 2% da população mundial é. Há quase tantos intersexuais quanto ruivos no mundo.

Há mulheres que são XY e homens que são XX. Há pessoas XX que nascem com pênis e XY que nascem com órgãos sexuais femininos. Nada disso importa no debate envolvendo Kehlife. Se ao nascer foi atribuído a ela o sexo feminino, e se ela se identifica com o sexo feminino, então ela é uma mulher cisgênero. Aspectos sociais importam mais do que os biológicos. Aliás, todas as vezes que tentaram aproximar biologia de política a gente sabe no que deu.

Khelife tem mais testosterona do que a média? Pode ser que sim. Muitas de nós temos. Isso não faz dela um homem. Aliás, conheço muitas mulheres que tomam testosterona para ficarem mais fortes. Outras que fazem reposição hormonal na menopausa. Viraram homens por isso?

Não existe um jeito apenas de ser mulher.

Khelife nasceu e foi socializada como mulher. Já perdeu mais do que ganhou no boxe. Quando ela perde, ninguém liga. Quando ganha, ah pera lá, para tudo, deve ser homem, olha a pinta.

Deve ser homem por quê? Porque parece homem?

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Quem fez essas regras? Quem diz o que define um homem ou uma mulher? É assim que vamos decidir quem é homem e quem é mulher? Basta parecer isso ou aquilo? Ou vai rolar um teste de feminilidade? Mengele não se oporia em realizá-lo.

Algumas de nós somos mais masculinas mesmo. Eu, por exemplo.

Não vejo muito espaço para polêmica sobre a atleta argelina. Ela é uma mulher cisgênero.

Mas importaria se fosse trans? Por quê?

Vamos definir as pessoas biologicamente? Vamos fazer testes?

Uma mulher trans é uma mulher que ajustou seus níveis hormonais para se adequar ao que se percebe como feminino e a um corpo que ela reconheça como seu. Achar que algumas pessoas são capazes de mudar de sexo para competir em esportes é não entender patavinas do que se exige de um corpo durante o processo de transição. É o mesmo nível de ignorância que acreditar que algumas mulheres têm filhos para receber o valor do bolsa-família.

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Durante anos a tenista Martina Navratilova, bastante masculinizada, ganhou tudo no tênis. Depois, Graff, bastante feminina, ganhou tudo. Serena, a maior de todas, também passou voando por quase todas as adversárias. Massacrou mesmo. Sem dó. Algumas mulheres são atletas que, em certas fases da carreira, se tornam imbatíveis. Não é o caso da argelina. Ela perde mais do que ganha. E o mais cruel é pensar que não será dado a ela o direito de vencer tudo porque, nesse momento, vai ser banida do esporte. É transfobia que chama, eu sinto dizer.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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