Milly Lacombe

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OpiniãoEsporte

Não haveria medalha olímpica em Paris sem a audácia de algumas corintianas

Ninguém faz nada sozinho e nem sozinha. Alguns talvez achem que sim, mas não. Não em esportes individuais e não nos coletivos. Não no jogo e não na vida. O texto abaixo vai mostrar como, sem a atuação das mulheres corintianas, não haveria medalha olímpica em Paris.

O futebol feminino corintiano começou a se formar em 2015. Nessa época o time do Audax era bastante forte e vencedor. O Corinthians decidiu que não começaria do zero e fechou uma parceria com o Audax. Nascia o Audax/Corinthians. Os jogos eram realizados em Barueri sem publicidade, quase sem público e em horários estranhos. Mas era um começo.

Em 2016, o Corinthians formou um grupo de estudos para entender mais a respeito da torcida, e um dos núcleos foi o feminino. Uma pesquisa feita pelo núcleo feminino descobriu que a torcida do Corinthians tinha mais mulheres do que homens, o que foi uma surpresa. Depois, o grupo entendeu que as mulheres não eram retratadas na história do clube embora elas fossem ao estádio em números expressivos há muito tempo. Era o preconceito sendo desnudado em dados.

Em 2016 o Corinthians/Audax começa a empilhar títulos. O trabalho do núcleo de mulheres termina, apresenta suas conclusões e nasce no Parque São Jorge o Movimento Toda Poderosa Corinthiana, que visa unir as torcedoras. O grupo cresce com o Loucas por Ti e com As Alvinegras, que trabalham na orientação a mulheres que querem ir ao estádio pela primeira vez.

Em 2016 o trabalho realizado pelo grupo de estudos do núcleo de mulheres começa a ser levado a sério. A Lei Maria da Penha faz aniversário, o clube aproveita e promove a ocasião de forma inédita. Em campo, os jogos seguem sendo realizados em locais e horários estranhos.

O público presente é de, no máximo, 30 torcedoras. Ruim, mas causa um efeito colateral positivo: time e torcida se falam, trocam ideias, se unem. Chega ao Parque São Jorge Cris Gambaré e, com ela, o profissionalismo. Chega Arthur Elias e, com ele, a organização tática, a criatividade esportiva, a formação de um time que empilharia 16 títulos. Em 2017 o futebol feminino se impõe como produto.

Em 2017, a Nike lança camisa em celebração aos 40 anos do Paulista de 77. Para homens exclusivamente. Os grupos femininos criados no Corinthians se unem em protesto. A Nike diz que não há demanda para camisas femininas. A turma de mulheres corintianas lança a campanha: Nike, respeite as torcedoras. A Nike escuta e decide fazer camisas para mulheres. Elas se esgotam em menos de 30 dias.

Aí a coisa muda de giro. Então elas gastam dinheiro? Elas consomem? Elas saem por aí vestidas de corintianas?

Vem o Respeita as Minas. Em campo, os resultados esportivos já são excelentes. Tudo se alimentava. Elenco e torcida permanecem unidos.

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Torcida pede que as Brabas joguem na Arena. Clube alega que isso prejudicaria o gramado. Elas insistem. Clube cede, casa lota, mais títulos.

A contratação do Cuca fez torcida e elenco feminino se manifestarem e, com isso, sofrem represálias do time masculino. Elas são ameaçadas por torcedores, muitas saem das redes sociais. O efeito? As mulheres se unem ainda mais.

Arthur Elias vai para a seleção e leva com ele a base do Corinthians. Gambaré vai para a seleção e leva com ela o profissionalismo implantando no Parque São Jorge. Eles levam com eles as atletas em quem confiam. Levam o poder dessa união bizarra entre mulheres. Quem se surpreende com o que fez a seleção em Paris nunca viu o que foi feito no Corinthians de Elias e Gambaré.

Quem sabe que tipo de força vem dessa aliança entre time, torcida, diretoras e dirigentes? Contra essa força fica bem difícil ganhar. Contra essa força pouca coisa consegue se impor. Elas sabem que já fizeram o impossível uma e outra vez. Sabem que continuar escrevendo essa história é inevitável. Sabem que estão sendo observadas por meninas em todos os cantos do Brasil. Meninas que hoje mesmo vão correr atrás de uma bola tendo certeza de que esse esporte é delas também. Sabem que o incêndio que estão causando nos arredores de Paris começou com uma faísca lá na rua São Jorge 777. Sabem que Corinthians rima com vanguarda, com transgressão, com revolução.

"O Corinthians é o Brasil visto por dentro", me disse Mônica Toledo Poso, a Monikita do Movimento Toda Poderosa Corinthiana. "O ouro é uma questão de justiça."

Monica, com quem bati um papo para escrever esse texto, se emociona ao pensar em tudo o que aconteceu. Se emociona de lembrar como, durante décadas, as mulheres foram invisíveis no Parque São Jorge. Se emociona de lembrar de quando ia ao estádio e havia nas arquibancadas mais 29 pessoas com ela. Se emociona ao lembrar de como nada foi dado e tudo foi conquistado. E diz: "Essas atletas precisam saber que estamos muito orgulhosas de todas elas. Estamos com elas. A história que elas estão escrevendo é importante demais para o Brasil. Obrigada, obrigada, obrigada".

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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