Milly Lacombe

Milly Lacombe

Siga nas redes
Só para assinantesAssine UOL
OpiniãoEsporte

Colocar a seleção feminina em contexto para não eternizarmos uma mentira

"O Brasil foi irregular na primeira fase" é uma frase que reduz os três primeiros jogos da seleção a uma narrativa perigosa. Dissequemos.

Contra a Nigéria, uma partida complicada porque as nigerianas jogam bem e são taticamente organizadas, o Brasil foi brilhante. Soube marcar, soube criar. A vitória nasceu pelos pés de Marta, que jogou os 90 minutos como sabe jogar. Em campo, um Brasil com a cara dos times de Arthur Elias: solto, alegre, concentrado, criativo. E com Marta distribuindo as bolas. Foi bonito e encheu a gente de confiança.

No segundo jogo, contra o Japão, o Brasil voltou a jogar bem. O time japonês é um dos melhores do mundo e a nossa seleção fez o que tinha que fazer por quase 90 minutos. Marta, outra vez, foi o destaque. Enquanto ela esteve em campo o Brasil venceu por 1x0. Ela saiu quase aos 45 do segundo tempo. E, sem ela, levamos a virada.

Veio o terceiro jogo, o mais difícil. E perdemos a cabeça logo no começo. Marta foi expulsa, recuamos de forma inexplicável e o Brasil, com uma a menos, levou um baile.

Portanto, dizer que a primeira fase foi irregular, embora flerte com uma verdade, simplifica perigosamente o que aconteceu.

Sem Marta, suspensa por dois jogos, tivemos que jogar com o coração na ponta da chuteira a fase eliminatória. Pegamos a França que talvez tenha acreditado que ia nos vencer outra vez porque foi assim sempre. Mas o Brasil se armou para fechar, marcar e contra-atacar. Muito diferente do que fez contra a Espanha. Dessa vez, havia uma estratégia. Três atacantes esperavam ser acionadas para sair rapidamente. O meio de campo não criava muito, mas marcava bem demais. Tivemos varias chances, fizemos um gol, bastou. Era a hora da revanche contra a Espanha. Repetimos a estratégia. Elas vinham de uma prorrogação desgastante e não deram conta da nossa rapidez. Goleamos historicamente. E chegamos à final.

Vamos de Marta ou sem Marta? É nesse momento que a simplificação do que aconteceu na primeira fase joga contra a gente.

E aí começam outra vez os reducionismos: "sem Marta o time melhorou". Percebam como essa simplificação esconde as complexidades do que aconteceu nesses jogos.

Arthur Elias - peço licença aqui para criticar o excelente treinador que não curte críticas vindas de mulheres - decidiu não escalar Marta desde o começo. Na minha humilde opinião feminina, errou.

Continua após a publicidade

Era jogo para Marta começar. Por que? Porque as estadunidenses estavam temerosas com o que fizemos com a Espanha e iriam jogar pelos primeiros 20 ou 30 minutos com medo. Nessas circunstâncias, Marta não jogaria na pressão, teria tempo e tranquilidade para deixar Portilho ou Jheniffer na cara do gol. Mas Elias não fez isso e, quando colocou Marta, colocou como fazia Pia: para correr desesperadamente no meio de um caldeirão de emoções a flor da pele porque as estadunidenses já tinham entendido que não precisavam recuar tanto. E venciam.

Essa é a história.

A prata vale muito. Elias, em menos de um ano, levou esse time de volta ao pódio. Temos que celebrar e beijar essa medalha. O futuro com Elias à frente e elenco renovado parece promissor. Temos uma geração interessante vindo aí. Mas não podemos deixar de contar os acontecimentos como eles se deram.

No mais, obrigada, Marta. Por sua causa o futebol feminino é o que é hoje no Brasil. Por sua causa milhões de meninas hoje sabem que correr atrás de uma bola é sim um direito delas. Voa, rainha. Tem muito mais vida pela frente.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

Deixe seu comentário

Só para assinantes