Milly Lacombe

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Na modalidade 'hipocrisia', o COI fica com ouro, prata e bronze

O COI aceitou que um atleta condenado por estupro e pedofilia estivesse presente em Paris. A parte do estupro foi fartamente noticiada, mas por algum mistério a parte da pedofilia raramente foi citada pela imprensa.

A menina estuprada pelo holandês Steven van de Velde, jogador de vôlei de praia, tinha 12 anos. Omitir a pedofilia contida no crime é minimizar seu horror. Omitir a pedofilia é parte de uma cultura que sexualiza corpos de meninas desde oito, nove, dez anos. Ou antes disso. Omitir a pedofilia é perpetuar uma doença social.

Chamar o crime cometido pelo holandês de polêmica - como fez fartamente a imprensa brasileira - é dar as mãos à banalização da violência contra a mulher. Errou o COI, errou boa parte da imprensa.

Mas, voltando ao tema, o COI achou razoável que o homem que estuprou uma criança estivesse nas disputas. O que o COI não tolerou foi a competidora de breaking pedindo liberdade para as mulheres afegãs. Gente, isso não. Passaram dos limites. Que papo é esse de lutar pela emancipação das mulheres? Aqui não. "Teje" desqualificada!

Vocês percebem que a primeira questão está intimamente associada à segunda, certo? Uma sociedade que minimiza estupro e pedofilia tem que ser a mesma que se opõe ao feminismo, certinho?

Vejam: acho que o condenado por estupro e pedofilia, uma vez cumprida a pena, tem o direito de ser ressocializado. Não se trata de pedir para que o sistema prisional seja depósito de pessoas. Acredito na recuperação, no aprendizado, na reintegração. Mas deveria haver um limite para participar de jogos olímpicos. Foi condenado por estupro? Não pode vir celebrar a capacidade atlética humana não.

O COI achou também certinho que Noémi Gelle, técnica de ginástica rítmica da Hungria, fizesse o símbolo dos supremacistas brancos em rede mundial de TV. "Ah, será que ela fez mesmo? Será que não era só um okzinho"? Não, não era. Era um símbolo nazifascista bem ali nas nossas fuças. Na cara de todo mundo. Como fez o assessor de Jair Bolsonaro no parlamento brasileiro há pouco tempo.

Onde o COI foi bem mesmo foi na proteção à boxeadora argelina Imane Khelife quando ela foi atacada por uma onda de ódio extremista. Um povo que não estava nem aí para Van de Velde e nem aí para o gesto da supremacista branca. Mas mulher que não parece suficientemente feminina deixou essa turma iradíssima.

Diante de uma berraria sem fim executada por misóginos, machistas, transfóbicos e fascistas, o COI soube se colocar. Seria essa a postura que esperaríamos sempre de um comitê internacional. A de defesa de nossa integridade e moral. A de se colocar ao lado de manifestações pela emancipação das mulheres. A de barrar a participação de condenados por estupro e pedofilia. Tudo somado, o COI mais errou do que acertou quando o assunto é a dignidade humana - mais especificamente, a dignidade das mulheres.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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