O futebol é apaixonante porque carrega nele a beleza da imperfeição
Fabio e Hugo foram heróis em uma noite cheia de significados para o futebol. Dois goleiros que há pouco tempo deixaram seus outros clubes de forma bastante indigesta e que agora caem nos braços de torcidas que um dia foram rivais. Fabio, depois da apoteose da Libertadores de 2023, andava criticado por parte dos tricolores que diziam que a fase em 2024 já não era tão boa. De fato, falhou em lances fundamentais, como outra vez nessa terça-feira em falta batida por Reinaldo que resultou no gol do Grêmio. O gol que levou a decisão para a disputa de penaltis que consagraria Fabio outra vez.
Ganso, que fez uma partida brilhante, perdeu o pênalti que poderia ter custado a classificação ao Fluminense. Ganso, um camisa 10 de absoluto esplendor, teria deixado o campo como vilão. Saiu como um dos heróis.
O garoto Esquerdinha, que comprometeu o resultado do primeiro jogo, voltou a campo nesse 20 de agosto para participar da conquista. John Kennedy, idolatrado por ter feito o gol contra o Boca que deu ao Fluminense a tão sonhada taça em 2023, andava em baixa e estava sendo vaiado. Ainda assim, pegou a bola para bater um pênalti contra o Grêmio. Que tipo de coragem precisa nos habitar para ter esse ímpeto? JK fez seu gol. E o Flu está nas quartas.
Em São Paulo, um Corinthians que tenta não escutar o barulho das estruturas desabando do lado de fora conseguiu sua dramática classificação na Sul-Americana. Um jogo cheio de altos e baixos emocionais e de elevado índice de tensão. Garotos que nem barba ainda têm direito tiveram que correr atrás de uma dimensão de maturidade que talvez demore a chegar, mas que ontem deu as caras.
O futebol é um conjunto de histórias de fracassos e redenções. De erros e de voltas por cima. Não existe futebol sem que a dimensão da falha se faça presente e possível. Não tem executivo gringo com pastinha debaixo do braço que consiga provar que a falta de coerência em comportamentos seja evidência de crime. Trata-se de evidência do caráter humano desse jogo. Erramos. Temos dias ruins. Temos um lado fraco. Temos aspectos grosseiros. E podemos nos corrigir, melhorar, tentar outra vez. É a dor que nos conecta. É o sofrimento que nos une. É a cicatriz do outro que fala com a nossa.
Somos imperfeitos e imperfeitas. E a consciência dessa imperfeição nos torna integrantes de uma mesma espécie. Enquanto tentam tirar a dimensão do erro do futebol - com mil paradas para checar lances milimétricos, com dirigentes e treinadores tendo chiliques a cada erro, com a transformação do jogo em mercadoria e do torcedor em cliente - esse esporte segue mostrando do que é feito e do que é capaz. Noites como a dessa terça-feira justificam alguns aspectos da vida. O futebol renasce. Resta saber até quando ele conseguirá resistir ao que tentam fazer com ele.
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