Milly Lacombe

Milly Lacombe

Siga nas redes
Só para assinantesAssine UOL
OpiniãoEsporte

Reação a gesto obsceno tem machismo se apresentando como anti-machismo

Torcedor do Palmeiras abaixa as calças e mostra o pênis à torcedora botafoguense. A torcedora não pôde celebrar a tremenda vitória sobre o rival porque teve que ir à delegacia prestar queixas. Mulher não tem o direito de festejar, não pode relaxar, precisa ser constantemente lembrada de que não pertence, não deveria estar ali, de que ela ama um esporte que a detesta.

Os códigos da masculinidade são, além de tóxicos, bastante ridículos. Mostrar o pênis, abaixar as calças, revelar com orgulho uma parte do corpo o que o machismo acredita ser sinônimo de potência. Uma arma. Tá aqui a minha arma bem na tua cara! Uma arma que fere e mata muitas de nós diariamente.

O Palmeiras avisou que vai identificar e excluir o torcedor caso ele seja sócio. Deve ser bastante fácil já que o clube usa reconhecimento facial.

Em pouco tempo as redes sociais estavam tomadas por homens horrorizados. Com o gesto obsceno? Nem tanto. Mais com o fato de Leila Pereira não ter se manifestado pessoalmente. Não bastou o clube soltar nota. Querem que Leila, que chamam de baluarte do feminismo, fale.

Vejamos.

Um homem abaixa as calças, expõe seu pênis e os alecrins "aliados" cobram a presidente nominalmente. Cadê a Leila, hein? Não vai falar não, tia? Cadê seu feminismo? Queremos ver agora! Nós, os super-letrados no feminismo estamos aqui cobrando a Leila.

Está tão na cara que eu nem precisaria explicar esse machismo que se veste de anti-machismo, mas vou.

Quando o torcedor do Galo cometeu gestos racistas vocês lembram de cobranças nominais feitas ao presidente do clube para que ele se manifestasse? Quando a torcida do Corinthians foi misógina e LGBTFóbica quem foi cobrado nominalmente foi o Duílio Monteiro Alves ou o Corinthians?

Cobramos a instituição. Cobramos uma posição do clube. Nesse caso, cobremos o Palmeiras.

Continua após a publicidade

Ah, mas a Leila é mulher e se diz feminista então tem que falar!

Por partes: quem tem mesmo que falar sobre machismo e misoginia é homem. Ou deveria ser.

Mas piora: se esse é o argumento, então vocês não estão preocupados com o gesto ou com o crime, muito menos com a torcedora do Botafogo que passou uma noite horrorosa quando deveria estar em festa. Vocês estão preocupados em apontar o que acreditam ser uma incoerência em Leila Pereira. A não manifestação de Leila incomoda mais do que o pênis exposto.

Isso se chama machismo, tá?

Por que se chama machismo, Milly?

Porque exigir que mulheres respondam por erros de homens é machismo. Aula 1.

Continua após a publicidade

Colocar o que vocês acham que seria uma obrigação de Leila Pereira à frente do ato criminoso é o quê? Adivinhem? Sim, machismo.

Mas ela é presidente, Milly! Tem que falar.

Quem tem que falar é o clube. E ele falou.

E, sim, ela é a presidente. E ela é mulher. E ela está se educando no feminismo. Tudo verdade. Isso só não é suficiente para que apenas ela seja cobrada nominalmente nesse caso. Primeiro porque outros presidentes nunca são cobrados nominalmente diante de atos de racismo, LGTFobia, misoginia. Nem dos clubes, nem da CBF, nem da Conmebol, nem da UEFA, nem da FIFA.

Depois, porque ao focar a treta na reação ou na falta de uma reação da pessoa da Leila Pereira o alecrim está ofuscando o crime e a dor da vítima e chamando para o palco, de forma crítica, outra mulher.

E, finalmente, porque não é de bom tom citar apenas Leila pelo fato exato de ela ser mulher. Citar seu nome de forma isolada é exigir que ela lute sozinha contra o que deveria ser uma luta de todos. Quem aí cobrou Anderson Barros? Não vi. Quem cobrou Abel? Não vi.

Continua após a publicidade

Como aliás não vi ninguém associando o gesto do torcedor babaca ao que fez Abel há poucos dias. Zero pessoas. Será que é apenas uma coincidência que esse infeliz tenha levado as mãos à genitália como fez seu heroi há uma semana? Ninguém liga, dane-se. Querem mesmo é saber da Leila.

E a Leila, hein?

Se lutar contra o machismo for tarefa apenas de mulheres e lutar contra o racismo tarefa apenas de negros não sairemos do lugar. Cobrem os homens se vocês estão mesmo querendo ser aliados. Cobrem os poderosos. Se querem citar nomes, cobrem nominalmente Anderson e Abel. Cobrem a instituição. Mas, por favor, não usem de machismo para fingir estarem combatendo um machismo para o qual vocês estão andando.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

Deixe seu comentário

Só para assinantes