Por que tem quem insista em cobrar Leila pelo erro do Abel? Parem!
Circula por aí o barulho pavoroso do gozo tétrico de homens que insistentemente cobram Leila Pereira pelo erro de Abel. É um gozo fétido, machista, misógino, melancólico, decadente, vulgar, tenebroso. Um gozo que primeiro nos causa repulsa, mas que depois, nos grupos de zap que colocam o ridículo em contexto, nos faz rir.
Uma legião de homens histéricos invadiu as redes sociais horrorizada porque Leila Pereira não se manifestou sobre erro cometido por Abel. Pouco falam de Abel, pouco falam da reação - ou da falta de reação - dos colegas homens presentes à coletiva. Querem saber da Leila. Se sentem no direito de dizer que ela perdeu espaço como liderança feminista.
Homens.
Homens que acham que tá de boa dizer quem é e quem não é feminista.
Homens.
Homens que, embora nunca tenham feito nada pela luta das mulheres, agora acham que tá de boa decretar quem deixou de ser feminista. Você! Fora do feminismo!
Homens.
Homens que mesmo andando para o que passamos nesse mundo acordaram de um sono profundo na noite de domingo para explicar o que é o feminismo e como devemos lutar.
Homens.
Nem todos. Mas sempre um homem.
O machismo emburrece. O machismo faz cair a máscara cedo ou tarde.
Homens demitidos por práticas escancaradas de machismo sapateiam apontando o dedo para Leila: não é feminista!, berram.
Homens que nunca, em tempo algum, apoiaram as colegas na profissão, nunca chamaram a atenção de outros homens sobre atos machistas dos amigos.
Homens.
Nem todos. Mas sempre um homem.
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OLHAR APURADO
Uma curadoria diária com as opiniões dos colunistas do UOL sobre os principais assuntos do noticiário.
Quero receberLeila Pereira nunca foi liderança feminista - seria bom avisar isso aos nossos colegas recém formados em feminismo 101 nas redes sociais.
Mas tem homem que foi ver pela primeira vez a íntegra da coletiva que Leila deu só para as mulheres para poder criticar o silêncio dela diante do erro de Abel. Dizem isso sem nenhum constrangimento. Deixa eu ver aqui essa coletiva dos infernos para poder criticar o silêncio de Leila diante do machismo de Abel.
A narrativa já é: "e a Leila, hein?" A história já não é mais o que fez Abel. É o que não fez Leila.
E eles se recusam a ver o machismo nisso. Não alcançam. Não conseguem. Não querem.
Leila Pereira é a pessoa que, até aqui, mais fez pela inclusão das mulheres nesse esporte. Mas, vejam, meus caros, Leila não é liderança feminista.
Leila está aprendendo, assim como todas nós. Leila chegou ontem nesse rolê.
E nós a recebemos de braços abertos porque precisamos de pessoas em posição de liderança para nos ajudar. Leila, como eu disse em vídeo recente, está em formação. É, nos meus melhores sonhos, uma liderança em formação. Uma revolucionária em formação.
A misoginia é o mais plástico dos preconceitos. Homens que juram por todos os santos serem aliados na luta das mulheres sem nunca terem feito nada de prático simplesmente não são capazes de perceber como a cobrança que fazem a Leila é um aspecto do machismo que os habita.
Não conseguem alcançar a associação de ideias necessária para compreender. O machismo provoca uma crise de cognição. A paralisação das sinapses.
Não conseguem perceber que o comportamento de ficar cobrando Leila Pereira ofuscou o erro de Abel e, assim, ajudou a fincar o machismo mais forte no solo.
E a Leila, hein? Vai seguir calada? Fez uma coletiva só para mulheres e agora não fala nada sobre o erro do Abel.
E a Leila, hein? Tanto homem revoltado e ela quieta! Feminista de araque.
São eles, esses maravilhosos e atentos homens, que vão dizer quem é e quem não é feminista, quem pode lutar, quem tem que sair da luta, quem é bacana para a luta, quem não serve para a luta.
Não por acaso esses homens que agora se dedicam a gastar seu tempo cobrando Leila são os mesmos que acharam que convocar uma coletiva só para mulheres era preconceito.
Na época choraram rios de rancor e de amargura
Os mesmíssimos.
A turma que tá quase indo às ruas numa luta tresloucada de dois minutos contra o machismo de Abel quer mesmo é saber dessa incoerência da Leila. Levarão suas bandeiras contra o machismo e nelas estará escrito: e a Leila, hein?
Nunca cobraram Florentino Perez, presidente do Real, pelo racismo contra o Vini. Mas agora querem ver a Leila falar do Abel.
E a Leila, hein?
Eu certamente amaria ver a Leila subir no palanque e falar sobre o que fez Abel. Vou cobrá-la? Jamais. Assim como não vou nunca cobrar que qualquer liderança negra se manifeste contra o racismo. Racismo é um problema de branco. Machismo é um problema de homem.
Querem que Leila fale porque ela é mulher e andou se engraçando contra o machismo publicamente. Agora paga! Quem mandou se meter onde ninguém antes se meteu! Agora quero ver a coerência! Cadê?
Detestam Leila porque ela ousou se colocar num mundo que não é dela. Detestam a coletiva que ela chamou. Detestam quando ela pede mais mulheres no futebol.
Convencem-se de que podem cobrar quanto quiserem porque ela é chefe de Abel, uma lógica que usam pela primeira vez nesse caso. Não cobraram o presidente do Galo pelo racismo do torcedor, não cobraram o presidente do Nacional pelo racismo do torcedor, não cobraram nominalmente outros chefes por atos de machismo, misoginia, Lgbtfobia ou racismo.
Homens absolutamente revoltados gastam tempo em postagens, em discursos, em interações para argumentar por que Leila tem sim que falar. Não gastam esse tempo cobrando seus colegas. Nunca cobraram outro homem pelo machismo. Nunca se posicionaram nos grupos que frequentam quando um amigo é machista. Nunca leram uma linha de bel hooks, Audre Lorde, Djamila Ribeiro, Rebecca Solnit, Silvia Federici, Paul Preciado, Virginie Despentes, Françoise Verges. Mas pra cima da Leila crescem com uma facilidade impressionante. Vão seguir tendo chiliques para que Leila fale.
E vão morrer sem entender o que é o feminismo.
O feminismo, essa riqueza epistemológica, nos entrega ferramentas para perceber que Leila é uma vítima do que fez Abel.
Como?
Abel foi abertamente machista em uma coletiva sabendo que sua chefe luta por mais mulheres em coletivas. A luta da chefe foi, por Abel, triturada. Mas nossos alecrins não percebem como Leila foi vítima do machismo de seu funcionário. Não querem saber como ela deve estar lidando com isso internamente. Querem que ela fale.
Tanta coisa para falar sobre o que fez Abel, tanta coisa para cobrar de outros homens, tanta necessidade de se solidarizar com a repórter agredida, tantas pautas que podiam ser trazidas à luz com a ajuda esse episódio lamentável, mas os feministos revoltados querem falar da Leila.
Leila. Leila. Leila.
Ou, se não é da Leila, é deles que querem falar. Eu não sou babaca. Eu não sou machista. Eu tenho o direito de cobrar quem quiser.
Eu, eu, eu, eu, eu, eu, eu, eu, eu, eu, eu, eu, eu, eu.
Olhem para mim. Falemos de mim. Não querem falar de mim? Então tá. E a Leila, hein?
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