Milly Lacombe

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O futebol como fábrica de memórias entre mães e filhos

Eu não pude perceber que o pranto ia me levar de vendida. Estava no meio de uma simples reflexão sobre o que penso do futebol e quando me dei conta estava em lágrimas e impossibilitada de seguir falando. A culpa é da Marilia Ruiz e eu vou explicar.

Antes de entrarmos no ar para o Fim de Papo da quinta-feira 12 de setembro, ainda nas conversas de bastidores, Marilia contou para a turma de debatedores do dia (Renato Mauricio Prado, Arnaldo Ribeiro e eu) que tinha levado os três filhos ao jogo em que o Corinthians venceu o Juventude pela Copa do Brasil. Eu escutei ela falar sobre isso sem me dar conta de onde o relato ia me pegar.

Ainda no começo do programa eu saí falando sobre o que sinto com o futebol, sobre como viver momentos é mais importante do que levantar canecos, sobre a importância do Corinthians nas pequenas coisas da vida, sobre essa torcida que canta mais alto quando leva um gol e faz isso no exato momento em que levou o gol, explodindo em amor na dificuldade talvez mais do que na alegria. E emendei dizendo que o futebol é sobre uma mãe que leva seus três filhos para um jogo como o que vimos entre Corinthians e Juventude. Foi nesse momento que travei ao vivo aos prantos.

Tive que pensar o que me arrebatou desse modo. De imediato lembrei do dia em que minha mãe me pegou pela mão e foi comigo ao Morumbi ver o Corinthians ganhar da Ponte em 1977. Fomos só ela e eu. Meu pai berrando que era perigoso, que não estava certo levar uma criança de nove anos para dentro daquela multidão, que não íamos entrar porque não tínhamos ingresso, que estava frio, que era tarde e eu tinha aula no dia seguinte, que era uma irresponsabilidade, que seríamos pisoteadas. Ele tentou de tudo. Mas minha mãe, que nem gostava de futebol, resolveu que eu ia ficar com aquela memória e fomos nós duas.

De fato, aquela noite improvável ainda mora em mim. O barulho, o gol que eu não vi porque todo mundo estava de pé na minha frente, o gol que eu senti e que me fez compreender que, no futebol, sentir é melhor do que ver.

Quando minha mãe morrer, aquela noite me manterá ligada a ela. É o que temos nessa vida: as memórias com as pessoas que amamos. O resto passa. Até as dores são menores. E o futebol é uma usina de memórias.

Então, imaginando Marília e seus três filhos naquela noite mágica dentro do estádio do Corinthians eu talvez tenha sido arrebatada por esse amor que não se explica. Mais forte ainda porque é uma mãe que leva sua cria. Mais forte ainda porque entre os filhos temos uma filha. Esse troço de mãe e filha criando memórias no futebol me pega fundo.

E aí eu quebrei. E quebro enquanto escrevo esse texto. O futebol é isso. Podem tentar NFLizar esse troço quanto quiserem. O futebol não vai se entregar a essa cafonice que invadiu nossos campos. Ele resiste. Ele vive. Ele insiste todas os dias em que uma mãe pega seus filhos e, tarde da noite, leva todo mundo para um jogo de bola.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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