Milly Lacombe

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OpiniãoEsporte

Futebol, apostas e a sociedade em que queremos viver

As apostas chegaram para ficar. Não há mais como imaginar um Brasil que seja capaz de proibi-las. Nesse contexto que tenta deixar de lado a ingenuidade para lidar com a realidade seria preciso que a gente se perguntasse em que mundo queremos viver.

O que temos hoje é um cenário dentro do qual crianças de seis anos estão sendo estimuladas a apostar - e estão apostando. Temos quase 30 milhões de brasileiros que declararam já terem jogado. Os jornalistas Thais Bilenky e José Roberto Toledo lembraram no Podcast "A Hora" desse 20 de setembro que as apostas são o paraíso do crime organizado: "Paraíso fiscal, onde muitas dessas empresas têm suas sedes; e paraíso criminal, porque o jogo do bicho, por exemplo, lava o dinheiro sujo por meio de apostas falsas e mulas da jogatina das apostas online".

Não apenas isso: 55% dos apostadores dizem que o dinheiro que usam para jogar faz falta no fim do mês. Os defensores desses jogos de azar dizem que, com a devida taxação, a sociedade pode sair ganhando. Eu argumentaria que esse é um horizonte de ficção. Não se ganha jogando. Nunca. Em hipótese alguma. Você pode ter a ilusão de ter ganho. Vai ganhar um dia depois de ter perdido em muitos outros. E vai gastar o que ganhou apostando mais. A banca sempre ganha. Estimativa feita pelo Itaú BBA em abril calculou que as "bets" ganharam até aqui 20 bi e que os apostadores perderam até aqui 23 bi no Brasil.

As consequências dessa perda são terríveis. Numa sociedade exausta, sem trabalho ou com trabalho precarizado, as apostas aparecem como via de escape para o sistema econômico que faliu. Desesperadas, pessoas lançam sua sorte acreditando na palavra de ídolos que dizem através das propagandas: joga que é bom.

Não estou nem sequer falando de manipulação de resultados e de como fatiar o jogo para que possamos apostar em cartões amarelos e laterais vai mudar a essência do futebol. Eu diria que esses são problemas até menores diante da deterioração social que pode estar a caminho.

A partir desses dados, o que podemos fazer? De imediato acho que regular a publicidade seria boa solução. Aumentar a alíquota sobre empresas de apostas também. Mas o que mais?

Um problema social precisa ser resolvido pela sociedade. Teríamos que falar abertamente sobre os perigos, as perversões, os riscos. Não me parece que estejamos fazendo isso. Pelo contrário. Sou impactada a todo instante por um mundo no qual apostas são alegria, música, magia, gente feliz e bonita reunida. O que faz com que o apostador que quebrou e quebrou a família se sinta como o único a passar pelo desespero e pela tristeza. Sou filha de um homem viciado em corrida de cavalo. Posso garantir, de dentro para fora, que essa história não vai acabar bem.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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