Milly Lacombe

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Como sobreviver ao ataque de um jacaré

Se um dia você for atacado por um jacaré e ele abocanhar sua perna saiba que o jacaré vai tentar fazer você rodar sobre seu próprio eixo para, assim, deixá-lo desorientado, facilitando o trabalho de te devorar. Chama-se giro da morte. Nesse caso, se você ainda estiver minimamente consciente e não berrando e se debatendo como um alucinado que enxerga a morte de perto, role no mesmo sentido proposto pelo jacaré e, tendo as mãos livres, tente acertá-lo com socos nos olhos e nas narinas. Se nada disso der certo, finja-se de morto. Na maioria das vezes fingir não é necessário. Jacarés matam mil pessoas por ano.

Essas e outras utilidades nos são oferecidas pelo algoritmo das inteligências artificiais via redes sociais. Estamos aprendendo que durante nossas vidas inteiras dobramos as roupas de forma equivocada, que gastamos dinheiro desnecessário em produtos de limpeza que podem ser feitos das formais mais caseiras e até que, com um pouco de paciência, podemos reformar sozinhas e sozinhos nossa própria casa.

Gastamos horas vendo vídeos que jamais serão úteis. Estamos tomando conhecimento do universo das coisas que não sabíamos que não sabíamos. Vejam: tem o universo das coisas que a gente sabe que sabe, o universo das coisas que a gente sabe que não sabe e agora, um oferecimento das redes sociais, o universo das coisas que a gente não sabe que não sabe - cujo tamanho é infinito.

Você sabe como sobreviver a um ataque de milhares de abelhas por exemplo? Basta cobrir o rosto com a blusa e sair em disparada para algum lugar seguro. Como achar um lugar seguro com os olhos vendados não está claro, mas uma coisa é certa: não pule na água caso haja um lago, o oceano ou uma piscina ao seu dispor. As abelhas estarão esperando que você volte para respirar.

Estamos sequestrados pelo algoritmo, verdade. Ao mesmo tempo, há coisas maravilhosas às quais temos acesso através das redes sociais. Cursos, aulas, palestras, documentários. Estamos, outra vez, diante de um caso de veneno ou remédio: tudo depende da dose.

É a economia da atenção. Nada vale mais do que a sua atenção no mundo de hoje. Saiba que, ao ter sua atenção capturada, você está oferecendo aos bilionários do mundo o que eles mais desejam. Prestar atenção, ficar em silêncio, dedicar tempo às coisas que realmente importam é a tarefa mais necessária que podemos fazer nos dias de hoje. Parece fácil, mas não é. É, aliás, a cada dia mais difícil. Nossa tarefa mais imediata é lutar contra o sequestro de nossas vidas pelas grandes corporações. Escolher conscientemente onde vamos depositar nossa atenção é a verdadeira liberdade nos dias de hoje.

O historiador Yuval Harari, com quem tenho inúmeros desacordos e alguns acordos, disse que na sociedade moderna meditar é tecnologia de sobrevivência. Concordo com Harari. Aprender a meditar é ferramenta de auto-conhecimento e de sobrevivência numa economia liberal que, feito um jacaré faminto, pega a gente pelo tornozelo e rodopia o giro da morte até nos desorientar e devorar.

E se você chegou até aqui eu agradeço imensamente ter sido merecedora da sua atenção por esses minutos.

"A indústria da atenção tornou-se uma força estruturante central

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na economia mas é, em maior escala, um elemento essencial

de como usamos nosso tempo, construímos nossos valores,

organizamos nossas vidas. Livros e textos precisam ser comprados,

enquanto a informação presente é virtual,

penetra em cada momento de nossas vidas,

por meio de todas as telas, e é manejada em escala global

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por muito poucas mãos. Até onde isso irá?"

Ladislau Dowbor, 2023

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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