Milly Lacombe

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O que os números dessa eleição dizem sobre mulheres na política brasileira

Segundo o TSE, as eleições municipais de 2024 tiveram o maior número proporcional de candidaturas femininas. Parece boa notícia, mas não é e vamos falar sobre isso.

Mulheres representaram 34,7% das candidaturas registradas pelo tribunal. Em números absolutos, 156.519 candidatas a prefeitas e vereadoras. Aqui é bom dizer que os dados por gênero só passaram a ser compilados pela justiça eleitoral no ano 2000 - ontem, portanto, em tempo histórico.

Acho que os números falam de forma direta: menos de 40% de candidatas é um cenário ruim para quem é mulher. Pior ainda se levarmos em conta que não existe diferença significativa entre como partidos alinhados à esquerda e o bloco extremista da direita, que tem dentro dele hoje quase toda a chamada direita e boa parte do centrão, tratam a questão das candidaturas femininas. Uma mulher eleita pelo centro, pela direita ou pela extrema direita dificilmente - para não escrever jamais - se importará com as questões de gênero que nos machucam todos os dias - como políticas reprodutivas, machismo, misoginia, patriarcado. Não teremos nada de significativo vindo da agenda da vereadora eleita por São Paulo Janaína Paschoal, por exemplo. Muito pelo contrário.

Fica ainda mais triste se pensarmos que as mulheres constituem a maioria do eleitorado brasileiro, dos mesários e do público que comparece para votar.

Em 2020, apenas 45 cidades entre as 5.568 que realizaram eleições municipais tiveram maioria de mulheres na composição das câmaras de vereadores, valor que não chega a 1% do total dos municípios. Um por cento.

Em 2024, houve 279.011 registros de candidaturas masculinas e 152.930 femininas: 64,59% e 35,41%, respectivamente. Um aumento de 1% (outra vez para que não fique dúvida vamos escrever o número por extenso: um porcento) em relação às eleições municipais de 2020. O Estado com menor participação de candidaturas proporcionais de mulheres é o Rio de Janeiro, com 34,29%. Mato Grosso do Sul tem a maior proporção, com 36,48%.

Mas, vem cá, a cota de gênero não é uma obrigação dos partidos? Sim. A lei determina que 30% das candidaturas sejam femininas. Um número baixo e que não reflete a sociedade, mas pelo menos um limite mínimo estipulado. Os partidos cumprem? Bem, aí é um outro show da Xuxa.

Esse ano, em 4797 municípios (86,1%) a cota foi respeitada. Mas temos um contingente de 772 municípios (13,9%) nos quais ao menos um partido e/ou federação desrespeitou a cota. Em 2020 a cota não foi cumprida por 1.304 municípios, então houve melhora. Mas é pouco se pensarmos que mulheres são a maioria do país.

Mais grave ainda é notar que os partidos de esquerda não se diferem muito dos de direita quando o tema é respeito a candidatas. Vejamos dados sobre as cotas utilizadas por alguns partidos para as eleições de 2024 (números divulgados pela Secretaria da Mulher): PSOL: 41%, PT: 38%, Novo: 35%, PSDB: 35%, Cidadania: 37%.

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Até aqui, 4.746 homens foram eleitos prefeitos, o que representa 84,5% do total do 1º turno.

O cenário é bastante ruim e desigual, mas não surpreende se pensarmos que a violência política de gênero é uma realidade brutal no Brasil.

Em 2022, estudo relevou que quarenta xingamentos por dia foi a quantidade de mensagens de ódio que um grupo de 123 candidatas recebeu durante o período eleitoral. Os dados são do observatório da violência política de gênero do portal AzMina.

Em 2020, segundo a revista AzMina, foram coletadas milhões de publicações dirigidas aos 175 candidatas e candidatos em diferentes redes sociais. O estudo de todas elas revelou que as candidatas foram atacadas por aquilo que são (mulheres, negras, idosas, trans), enquanto os candidatos receberam ofensas por suas atuações profissionais. Dentro desse contexto, quem tem o desejo de entrar para a política? Percebam que não estamos falando apenas de ofensas verbais. Não existe violência física que, antes, não tenha sido violência verbal. Não esqueceremos jamais que estamos no país que executou Marielle Franco e que, há poucos dias, disparou tiros contra o carro da então candidata, e agora vereadora eleita pelo Rio de Janeiro, Tainá de Paula. Que tipo de coragem uma mulher precisa ter para dizer: vou me candidatar.

Estamos caminhando, mas a passos de uma criança de dois anos. Será preciso que aceleremos essa trajetória. Podemos contar com quem? Com os partidos que se dizem de esquerda. Mas se nem eles se obrigam a ter pelo menos metade de candidatas mulheres então nossa situação é bastante complicada. A boa notícia é que mulheres corajosas temos aos montes, o que indica que as candidaturas seguirão crescendo a despeito da realidade da violência política de gênero.

Em relação ao que pode ser feito eu argumentaria que, de imediato, os partidos alinhados à esquerda deveriam se letrar no feminismo, estipular que metade das candidaturas devem ser de mulheres, que metade dos cargos de liderança interna deve estar com mulheres e compreender que não existe diferença entre o machismo praticado por eles e o machismo praticado pela extrema-direita. É por aí o caminho.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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