Milly Lacombe

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OpiniãoEsporte

Só o governo federal pode resolver a crise energética em São Paulo

A maior parte da distribuição de energia elétrica em São Paulo está nas mãos da Enel desde 2018. Antes, o serviço ficava com a Eletropaulo, que, a partir de 1998, já passava lentamente pelo processo de privatização.

Ao assumir a distribuição, a italiana Enel iniciou o trabalho tão sagrado no mundo liberal de "gestão". Vamos otimizar, vamos ser eficientes, não vamos operar como uma estatal cheia de inchaço e com um bando de servidor olhando para o teto. Aqui é custo benefício, meu filho.

Em 2020, a Enel tinha 27 mil funcionários. Hoje tem 15 mil. Haja gerência para seguir operando com metade do corpo de trabalho. Mas vejam, o mundo liberal faz a gente acreditar que é isso o que deve ser feito. Entrega para uma corporação italiana lucrar sobre nossos serviços básicos, aplica o choque de gestão e segue o jogo.

Vocês acreditam que quase metade da força de trabalho da Eletropaulo era dispensável? Há duas respostas possíveis.

A primeira é "sim", mas essa resposta só seria correta se o objetivo da empresa fosse a distribuição de lucro e não a distribuição de energia.

A segunda é "não", mas essa resposta só seria correta se o objetivo da empresa fosse a distribuição de energia para todos e não distribuição de lucros e dividendos para poucos.

Não existe empresa assim constituída que pense no todo. Uma empresa pensa no lucro. Dá lucro colocar cabos e postes e fios para mandar luz para o quinto dos infernos? Não. Mas tem gente morando no quinto dos infernos, um comunista pode argumentar. Dane-se, o liberal vai dizer. Os acionistas precisam de lucro e não temos como cuidar da luz dessa família miserável que mora onde Judas perdeu as meias. Se eles tivessem se esforçado mais, hoje não dependeriam do Estado para ter uma geladeira em casa, morariam em um bairro melhor, não estariam no sufoco. Mas são preguiçosos, então que se lasquem.

Esse é o discurso liberal. Essa é a crença que nos faz aceitar que luz e água passem a ser mercadorias de interesses corporativos e não direitos sociais.

E o governo federal com isso? Bem, a concessão é uma questão de governo federal. Diante da recorrência do caos, Lula deveria intervir. Interrompe tudo até que a gente entenda o que está acontecendo. Mostrar quem está no controle e quem pensa no povo, com todos os erros que essa generalização pode implicar.

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Entra o governo federal anunciando para o Brasil em um comunicado no rádio e na TV que vai assumir o controle temporariamente e por que vai assumir o controle temporariamente. Radical? Me parece que radical é ficar sem luz. Vamos fazer uma auditoria, vamos ver direitinho essa gestão desde 2018 como se deu e por que a agência federal que deveria vistoriar o serviço também falhou. Faz o que a Aneel, aliás? Quem são os responsáveis lá dentro da agência? Deixa ver aqui por que tanta gente foi mandada embora pela Enel entre 2020 e 2023. O que está sendo investido e onde? Quanto lucro e dividendo foi distribuído para acionistas desde então mesmo havendo famílias que ainda não têm eletricidade? Que tal taxar lucros e dividendos, para começo de conversa? O Brasil e um outro país miserável são os únicos que não taxam lucros de dividendos. Por quê? Bem, porque o idolatrado Fernando Henrique Cardoso assim desejou.

Mas Lula faz o quê? Confraterniza com o controlador geral da Enel na Itália, vejam que maravilha. Lula diz que, quando ambos se reuniram há três meses, ele cobrou dos representantes da Enel uma solução para os problemas recorrentes e escutou a promessa de investimento de 20 bilhões nos próximos três anos. Parece bastante, certo? Mas quem disse que é suficiente? Não sabemos.

O que sabemos é que esse dinheiro só virá para o Brasil se os diretores da empresa vislumbrarem em suas planilhas lucros gordos. Se não existir a possibilidade de lucro gordo, por que uma corporação italiana vai mexer no braço brasileiro da empresa se ela está ganhando o jogo (para os acionistas)? Porque Lula é simpático e sorridente? Porque amamos o Brasil, o samba e o Carnaval? Não, esse dinheiro não será autorizado a renovar postes e cabos em Parelheiros ou em São Miguel. No máximo vai aterrar os fios nos Jardins.

Os liberais dizem que quem reclama da privatização é comunista e burro e que é de interesse de toda empresa investir porque o mundo privado funciona bastante bem sempre. Estamos pensando em você, dizem os slogans das propagandas. Não é verdade, mas ninguém questiona. Estamos vivendo nesse cenário liberal desde os anos 70 e um rápido olhar ao redor prova que o mundo privado não funciona se a ideia é a de formarmos uma sociedade justa e humanitária. A noção de que funciona vem das sequelas de memória que nos visitam sempre que executivos das lojas de departamentos da vida protagonizam golpes fiscais e saem ilesos. Somos adestrados a acreditar que corrupção é um problema da política e não o cimento que une o mundo político ao mundo da economia privada.

Temos um governo federal que se oponha a tudo isso? Não me parece que seja o caso. Contar com o governo estadual é maluquice. Lembrem da fúria em êxtase com que o atual governador de São Paulo, de extrema direita, martelou o púlpito por ocasião do leilão da entrega da água de São Paulo à iniciativa privada. Então fica mesmo difícil a gente achar saída se o governo "de esquerda" se comporta como um de extrema direita quando o tema é a privatização de serviços básicos. Voltamos ao poder para quê?

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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