Milly Lacombe

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OpiniãoEsporte

O que a seleção pode fazer para voltar a ser querida?

O Brasil goleou. Eis aqui uma frase que anda sendo escrita com cada vez mais raridade. Não temos sequer jogado bem, imaginem golear. Contra a fraquíssima seleção peruana, um time que perderia dos dez primeiros colocados no Brasileirão, a seleção pelo menos soube ser ofensiva. No segundo tempo, claro, porque o primeiro tempo foi um constrangimento sem fim.

Mas ok, ganhamos, fizemos muitos gols, driblamos, atacamos em conjunto. É uma imensidão de qualidades que tinham tirado férias - ou hibernado.

Foi suficiente para que a massa voltasse a falar da seleção com carinho? Não, não foi. Precisaremos de muita coisa para reconstruir a paixão perdida pela camisa amarela. Tem caminhos, mas eu não sei se a CBF está interessada.

Digo isso porque marcar um jogo para as dez da noite com o ingresso mais barato custando 150 reais não é atitude de quem quer voltar a ser popular. E esse precinho camarada - que é caro para nossa realidade - tinha uma carga bem pequena. A maior parte dos ingressos disponíveis era de 300 reais para cima. Quem pode gastar isso em um ingresso? Basta ver a quantidade de lugares desocupados no Mané Garrincha durante o jogo do Brasil para entender.

Digo que a CBF talvez não tenha interesse porque ela não sabe mais fazer treinos abertos. Se abre, abre por dez minutos. O elenco é intocável, tudo é feito em sigilo, as coletivas são tediosas e não falam com a torcida de igual para igual. A seleção subiu num pedestal e de lá não desce.

Digo que a CBF talvez não tenha interesse em reativar a paixão do brasileiro porque ela se convenceu de que esse tipo de retomada pode ser feita a partir dos departamentos de comunicação e de marketing - e essa é uma ficção. Além de soar bastante ridículo é ineficaz.

Se a CBF tivesse interesse em reconquistar a massa ela entenderia que tudo começa com a forma como atuamos. Sem uma filosofia de jogo nada vai sair do lugar e só voltaremos a golear um time nas eliminatórias para a Copa de 2030. Qual é nossa cultura em campo? Qual nosso estilo de jogo? Quem somos com a camisa amarela?

Se houvesse interesse a CBF estaria empenhada em causas sociais, estaria atenta ao letramento antirracista, antimachista, anti-homofóbico. Se houvesse interesse a CBF estaria associada a movimentos populares de massa, como o MST, o MTST, os sindicatos. Se houvesse interesse a CBF chegaria junto da classe precarizada pelo trabalho, como entregadores e motoristas de aplicativos. Se houvesse interesse a CBF tomaria partido. O partido do povo para o qual ela deu as costas e não o partido da Faria Lima, a quem ela se curvou.

Hoje, somos um bando de tecnocratas com uma bola nos pés. Um jogo posicional que é odioso, melancólico, colonizado. Precisa entrar em campo um Luiz Henrique para sair rabiscando como sempre fizemos e nos lembrar de quem somos. Manter Endrick no banco é sinal de falta de capacidade para pensar em um time que o inclua. Não é possível que o treinador da seleção mais campeã do mundo não consiga idealizar um time com todos os melhores e, em vez disso, em nome da tecnocracia tática, mantenha alguns deles no banco. Tudo errado, tudo limitado, tudo sem vida.

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Desse lugar sombrio não vai sair nada a não ser uma goleada ou outra contra os times mais fracos do torneio - e só em anos bissextos - e muitas eliminações, derrotas, vitórias arrastadas, constrangimentos. Existem caminhos que nos tirariam desse buraco existencial em que a camisa amarela se meteu, mas parece que a CBF ou não os enxergou ou não os deseja.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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