As duas fundamentais lições que a crise de energia em São Paulo deixa
Em nome de combater a corrupção privatiza-se tudo. Como se a corrupção fosse um acontecimento puramente estatal. Nada para ver nas análises fiscais das Lojas Americanas que levaram milhares ao desemprego e à falência e beneficiaram os bilionários de sempre, pessoal. Circulando.
A corrupção é o tecido que liga o setor econômico ao político no mundo. A corrupção não está em um lugar ou em outro. Ela está em todos os lugares. É um falso debate esse que estamos travando: melhor o estado cuidar da energia ou melhor entregar para o sacrossanto gestor privado?
É um debate falso na medida em que ele existe para que não foquemos no que importa: o bem comum não pode ser regido pela lógica do lucro.
Da onde vem o lucro? Da diferença entre o que se paga para o corpo de trabalho, o que se gasta em estrutura, em impostos e o que se arrecada. Entregar a distribuição de energia, de água e de quaisquer outros bens comuns para a iniciativa privada é dar ao grupo escolhido uma mina de ouro. A receita para lucrar é rápida e direta: cortar força de trabalho, diminuir gastos e seguir recebendo porque a turma sem luz e água não vai querer ficar. Essa gente não pode não comprar esse produto que vamos fornecer.
Uma distribuidora de energia não existe para lucrar; existe para entregar. Entregar para todos. Entregar nos cafundós. Entregar debaixo de temporal. Entregar sem falhas. É preciso gastar e investir e nunca, jamais e em tempo algum, embolsar o que sobrou. Que lógica maluca e perversa é essa de distribuir lucro de um serviço falho, incompleto, deficiente, elitista?
Trata-se de um golpe dado contra a população e que começou com Fernando Henrique, que saiu privatizando tudo e disse que ia criar agências reguladoras que fiscalizariam. Arrãm. Fiscalizam sim. Fiscalizam direitinho.
E a população sabe disso, mas estamos longe de sermos uma democracia representativa. Quem faz as leis são os mesmos que as executam e que se beneficiam delas: os muito ricos e poderosos. E você que tem um Renegate e um apartamento no Guarujá não faz parte da lista de muito ricos, bom sempre deixar isso claro. Os muito ricos a gente nem vê mais por aí. Eles não se misturam. Não andam pelas ruas. Não utilizam taxis nem carros. Não vão ao mercado ou à feira. Eles voam de um lado para o outro e se encontram uns com os outros em eventos bem longe daqui.
De tão cristalino chega a ser apenas absurdo que ainda falemos em privatizar luz e água. O poder do capital privado, associado a seus políticos de estimação, já não se importa mais sequer em parecer razoável. Está se lixando para as evidências e para o que pensamos. Os acionistas da Enel nem no Brasil vivem. Bilionário não passa calor, não fica sem luz e nem sem água.
E agora vem a segunda lição.
Estamos entregues a nossa própria sorte e, para deixar tudo ainda mais delirante, o governo federal que se diz de esquerda não foi aquele que se manifestou contra as privatizações por ocasião da crise em São Paulo. Foi, como sempre, a extrema direita e seus políticos - Nunes e Tarcísio - que aceleradamente correram para as redes sociais para dizer: chega dessa privatização da Enel! Interrompa-se já.
Depois a esquerda coça a cabeça para entender como assim Boulos não está ganhando nem nas periferias desse prefeito horroroso que há quatro anos afunda São Paulo, gente?
Claro que a ideia da extrema-direita é criar a sua narrativa de "estamos escutando a revolta de vocês e também não queremos mais a Enel" para depois entregar para outros lucrarem. A extrema-direita não quer re-estatizar coisa nenhuma. Mas pelo visto nem a esquerda que está no poder quer. Olhemos para a Europa: agora mesmo os países da Europa ocidental, que saíram privatizando tudo, compreenderam que assim não funciona quando o assunto é o bem comum e estão re-estatizando, com total apoio popular. E nós, o que faremos? Vamos ficar olhando e esperando o próximo temporal ou vamos exigir a intervenção imediata e a re-estatização?
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