Milly Lacombe

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OpiniãoEsporte

Quem tem direito de morrer com dignidade?

Essa foi a semana em que nos despedimos de um dos nossos mais admiráveis conterrâneos, o poeta Antonio Cícero. Foi também a semana em que falamos sobre eutanásia, o caminho escolhido por Antonio Cícero para fechar as cortinas de uma vida bem vivida. Falamos sobre morrer com dignidade, sobre liberdade, sobre rituais de passagem.

Essa também foi a semana em que o debate sobre morrer em São Paulo foi pautado. Quem pode morrer com dignidade na São Paulo dos serviços funerários privatizados?

Histórias grotescas de pessoas pobres que não têm dinheiro para pagar pela limpeza do corpo de um parente, ou dinheiro para ter uma missa rezada na capela, ou dinheiro para maquiar o corpo. Pessoas que enterram seus familiares em caixas, que contam notas para conseguir um mínimo dos ritos que nos ajudam a passar pelo luto e a superar a dor.

Ricardo Nunes foi o prefeito que privatizou a morte em São Paulo. Já tivemos prefeitos querendo alimentar pessoas em situação de rua com ração, mas, sem dúvida, com Nunes, alcançamos um novo círculo do inferno.

Pagar para morrer. Pagar para enterrar. Pagar para rezar. Pagar para maquiar. Pagar, pagar, pagar. Não tem como pagar? Trabalha mais. Fica de lição para a próxima pessoa que morrer na sua família.

Morreu vítima de bala perdida da polícia? Vai ter que pagar mesmo assim. Danem-se vocês, pessoas pobres.

O capitalismo em sua versão tardia é bastante bom em criar uma distinção entre quem merece morrer com dignidade e quem, tendo alcançado a condição de coisa, não merece. Não merece sequer ter seu nome citado, sua história contada. "Morreram dez em Heliópolis depois de ação da polícia."

Um tantão de gente em São Paulo pensa em reeleger o prefeito que fez isso com a cidade. Que é o mesmo que tem contra ele um BO por violência de gênero, que é o mesmo que interrompeu atendimento a meninas estupradas, que é o mesmo que dobrou o número de pessoas em situação de rua. Vão reeleger isso para não correr o risco de ter suas casas invadidas pelo outro candidato, acreditando - ou fingindo acreditar - numa ficção para dar o voto da reeleição a um político absolutamente despreparado em todas as esferas da vida (na melhor das hipóteses). Guilherme Boulos nunca invadiu ou apoiou a invasão de casa alguma. Existe uma diferença abissal entre lutar por direito à moradia e tirar pessoas de suas casas. Quem tira pessoas de suas casas são os bancos, mas deixemos isso para lá.

Quando o bem comum e a dor alheia são privatizados perdemos todos. Perde a sociedade, perde a dignidade, perde a decência, perde a possibilidade de um futuro íntegro e justo. Que São Paulo tome tenência e consiga interromper a catástrofe que seria essa reeleição.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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