Milly Lacombe

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OpiniãoEsporte

O Botafogo é um delírio

Tem coisas que só acontecem mesmo com o Botafogo. Fracassar retumbantemente em 2023 e se reerguer para ser o time da moda em 2024 com chances reais de papar o Nacional e a Libertadores. Sair de um fundo do poço emocional que nem sabíamos que existia para se tornar um time exuberante capaz de reunir numa festa alucinante sua torcida jogo após jogo.

Essa mesma torcida que, mergulhada em tristeza e desespero, lotou os consultórios dos psicanalistas em 2023 agora dança a dança do arrebatamento delirante.

O Botafogo, ao contrário do Flamengo, não priorizou campeonato algum; priorizou seu torcedor e sua torcedora. Um ano em que a natureza do futebol foi respeitada em campo pela camisa mais bonita do mundo.

É gol atrás de gol e delírio atrás de delírio. Dois mil e vinte e quatro pode ser um dos anos mais gloriosos desse clube glorioso, mas eu gostaria de argumentar que, mesmo sem título, o impossível já foi feito. O time ofereceu a seus verdadeiros donos um ano de êxtase. O que é o futebol senão essa possibilidade?

As lições já foram dadas a despeito de campeonatos conquistados. Podemos recomeçar. Sempre. Mesmo diante de tragédias inimagináveis. Quantos pequenos torcedores e torcedoras não estão agora mesmo se apaixonando pelo Botafogo? Não há contabilidade que seja capaz de dar conta desse tipo de mobilização emocional. É grandioso e justifica a travessia, o sofrimento e o desespero com os quais sabemos que voltaremos a ter que encarar um dia.

Não tenho dúvida de que John Textor não fazia ideia do que estava comprando quando decidiu investir seus milhões no Botafogo. Ele achou que era um negócio e está sendo convidado a perceber que futebol não é uma mercadoria, não é uma planilha, não é entradas e saídas, custo-benefício.

O convite está posto. Mas será que o investidor que não consegue falar português mesmo estando aqui há dois anos será capaz de compreendê-lo? Não tenho certeza.

Fora de campo as coisas são de uma outra espécie de delírio.

O clube segue sendo um dos maiores devedores do Brasil. Dívidas de todos os tipos, fiscais inclusive. Regularmente nos deparamos com notícias de contas não pagas. Uma realidade contábil que não é assim tão distinta da que vive o Corinthians.

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Não me parece justo que aceitemos esse tipo de administração apenas porque os resultados esportivos são exuberantes ou apenas porque estamos falando de uma SAF.

"Ah, mas o Textor vai pagar tudo o que deve", dizem os que ainda acreditam que as SAF são a solução definitiva. Nenhuma SAF fez isso até agora, muito pelo contrário, mas a paciência com elas é infinita. Vai acontecer. Assim como o preço das passagens ia baixar quando começássemos a pagar pela bagagem. Não baixou jamais. Mas um dia vai baixar, Brasil. Acredita. Falta só uma reforma. E, depois dela, mais outra.

Seria divino que o Botafogo transformasse a cabeça e o coração de seu proprietário. Seria divino que ele percebesse o que vale esse time para além de suas planilhas. Seria divino que alguma coisa fosse definitivamente alterada na forma como um time é administrado. Seria divino que um time tão incrivelmente bom fosse mantido para 2025. E que o empresário mostrasse que é mesmo um gênio das finanças encontrando novas fórmulas e métodos para diminuir sensivelmente suas dívidas sem prejudicar nem o Brasil, nem os credores e nem o êxtase em campo.

A gente não se transforma porque fomos apresentados a novas ideias, a gente se transforma porque fomos expostos a novos afetos. Textor está diante da oportunidade de uma vida. Que esse ano tão delirante seja capaz de transformá-lo.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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