Fluminense se prepara para mergulhar no desastroso oceano das SAF
Lá vamos nós. Mais um grande clube nacional vai se deixar levar pelas águas das Sociedades Anônimas de Futebol. A informação foi dada pelo "A Hora do Fluminense", canal independente que cobre o tricolor no Youtube.
O presidente Mario Bittencourt estaria preparando o clube para a chegada de um investidor majoritário a partir de 2025. Quando a torcedora e o torcedor escutam a palavra "investidor" a primeira reação é de alegria. Dinheiro entrando, é isso o que as pessoas captam com o conceito. Vem aí um controlador que não entende muito do jogo mas aportará milhões. Seremos campeões.
Seria preciso ter muito cuidado nessa análise que é rasa, estreita e parcial.
Primeiro: orientar um clube de futebol pela lógica do lucro deveria ser crime. Clubes de futebol não existem para lucrar, deixar gente rica mais rica, servir para distribuir lucros e dividendos. Clubes de futebol existem para fazer circular afetos, formar caráter e subjetividade. São instituições sociais e não empresariais.
Vejam o Coritiba. Virou SAF. Buscas no Google para saber o que está acontecendo com a "empresa Coritiba" falam em lucros fenomenais. Olha que maravilha. O time está como? Mal. Esquecido. Apequenado. Mas a SAF aparentemente vai bem.
Vai bem a que custo?
Quando um clube vira SAF muitas dívidas são esquecidas e renegociadas. O Estado e o corpo trabalhador são prejudicados. Mas a planilha no final do ano fiscal fala em "lucro", então tudo certo.
Essa ideia de que a lógica empresarial deve dominar todas as dimensões da nossa vida é insana e perversa.
A cidade de Nova York foi administrada por mais de oito anos pelo mega-empresário bilionário Mike Bloomberg, uma espécie de João Dória. No final dos mandatos, ele e a imprensa liberal se regozijavam com o fato de os caixas apresentarem lucro. Tem dinheiro guardado, diziam. A cidade estava colapsada: pessoas em situação de rua estavam por todos os lados - um aumento expressivo no número - lixo por toda parte, transporte público em estado de calamidade. Mas, vejam, o prefeito deixou os caixas cheios! Palmas. Clap, clap, clap. Vamos transformar tudo em empresa.
Hospitais orientados pela lógica do lucro são outra aberração. Hoje você vai a um hospital particular no Brasil e a palavra protocolo entra com você. Quais os sintomas?, pergunta um burocrata treinado para não te olhar nos olhos. Você lista os sintomas, ele ou ela pega o tutorial e indica o próximo guichê. Você sai de lá depois de passar por meia dúzia de guichês e de preencher dezenas de formulários cheia de remédios que deve comprar na farmácia, que são os mesmos para qualquer pessoa com aqueles sintomas. Velhos, crianças, adultos, diabéticos. O importante é seguir o protocolo feito pelo gestor porque estamos aqui para otimizar gastos. É custo-benefíco, meu filho. Morreu? Que pena. A planilha está vivíssima.
O badalado Botafogo, o melhor time da América hoje, tem dívidas exorbitantes. Não importa. É SAF, o dono é bilionário, tudo vai ser pago. Estamos aguardando esse dia chegar, só que ainda não aconteceu. Assim como estamos aguardando os preços das passagens aéreas caírem depois que começamos a pagar pelas bagagens. "Somados os dois anos de SAF, 2022 e 2023, o Botafogo sob John Textor teve prejuízo de R$ 515 milhões", escreveu o repórter e colunista do UOL, Rodrigo Mattos, em maio desse ano.
Algumas dessas dívidas são relativas a FGTS, INSS e Imposto de Renda.
Não me parece justo criticar pesadamente o Corinthians pela forma tosca com que é administrado e deixar o Botafogo fora do radar. Por que essa diferença no tratamento? "Porque o Fogão é um timaço, é SAF e as SAF vão conseguir mudar o futebol", dizem.
Não vejo honestamente como. O que vejo é as SAF enriquecendo e empoderando os ricos e deixando um rastro de dívidas pelo caminho. Uma história que tem o nome de Brasil.
Que o Fluminense não seja mais um a cair nesse conto. Resultados esportivos, por melhores que sejam, não deveriam ofuscar a realidade do futebol hoje. Esse esporte é maior do que custos-benefícios, planilhas, gestões, eficiência. Na hora que ele couber em cálculos ele terá morrido.
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