Como o racismo contra Vini Jr. se atualiza na seleção
Contra a Venezuela, Vini Jr foi um dos destaques do primeiro tempo. Jogou solto e infernizou a zaga do rival. Mas era evidente que quando a bola chegava nele, a arquibancada xingava e vaiava. Por que exatamente?
Porque Vini está ficando com fama de encrenqueiro. Chato. Rabugento. Briguento. Falastrão.
A sensação é fruto de um sentimento que tem origem no racismo. De uma pessoa negra a sociedade espera "sim, senhor" e "sim, senhora". Qualquer coisa além disso é lida como petulância, arrogância, chatice. Vini deveria, aos olhos dessa sociedade, abaixar a cabeça e jogar sem reclamar, sem se impor, sem falar, sem se mostrar indignado. Já não é demais ser podre de rico e ganhar a vida jogando bola? Sossega.
Os episódios de racismo contra ele são notórios e múltiplos. Inclusive na perda do Bola de Ouro. Não há nem debate aqui. Alguns dos jurados escancararam o racismo ao dizer: é craque, mas revida muito. É craque, mas fala demais. É craque, mas reclama além da conta.
Revida o quê? O racismo. Reclama do quê? Do racismo. Fala sobre o quê? Sobre o racismo.
Se fosse branco, seria lido como um cara de personalidade, de atitude, de posicionamento. Como é negro então a leitura é: encrenqueiro.
E a fama vai pegar. Já pegou. A ponto de uma torcida latino-americana vaiá-lo quando a bola chega nele.
Agora vamos seguir em efeito cascata porque a chance é a de que Vini fique a cada jogo mais enraivecido com o que tem passado em campo. Mais enraivecido, mais vai ser lido como "arrogante", "encrenqueiro". Em pouco tempo o racismo do qual é vítima estará em segundo plano. O que vencerá é a narrativa de que ele é chato e raivoso e - por isso - é perseguido em campo e nas arquibancadas. E assim o racismo terá vestido uma roupa nova e estará oficialmente atualizado.
Os desdobramentos do preconceito são muito profundos e nem sempre fáceis de serem notados. A fama de arrogante e petulante que recai sobre aqueles que ousam se insurgir é um clássico do preconceito que se atualiza. É uma questão de ponto de vista. Há aqueles que entendem que chato é o racismo, o machismo, a misoginia e a LGBTfobia. E há aqueles que chamam de chatos os que lutam contra tudo isso. Até quando Vini aturará essa inversão da narrativa e como a injustiça impactará sua carreira ainda estamos por saber.
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