Papel social da mulher tem sido ignorado nos debates pelo fim da escala 6x1
A esquerda finalmente deu um suspiro que indica que, apesar de morta, pode renascer. A articulação em torno da pauta da jornada semanal de trabalho e da necessidade de descanso teve o poder de encontrar nas ruas a tal da correlação de forças que muitos acham que só pode ser composta no parlamento.
É em torno desse tipo de constatação - a de que estamos esgotados e trabalhando demais - que o dito "pobre de direita" que votou em Bolsonaro, Marçal, Nunes etc consegue escutar a esquerda. É esse o debate relevante, que afeta nossas vidas e, mais ainda, a vida de todos aqueles e aquelas que já não estão mais representados por esse simulacro de democracia.
E o gênero é uma camada que não não pode ser esquecida nessa conversa toda.
As mulheres fazem 85% do trabalho do cuidado no Brasil. Segundo dados do IBGE, mulheres dedicam em média 21 horas semanais à casa e à família. É o trabalho de lavar, passar, fazer as compras, alimentar filhos e pais adoentados, levar e buscar na escola, vacinar as crianças, pendurar as roupas, guardar, lavar ou ver se o uniforme de trabalho do marido voltou da lavanderia, fazer a lancheira da filha, cuidar da lição de casa, levar filhos e/ou pais velhos ao dentista etc, etc, etc.
Num dia de 24 horas, se a gente tira oito horas para trabalhar fora, sete para dormir, duas no transporte público, três cuidando de outras pessoas e da casa, sobram então três horas em que a mulher está absolutamente esgotada para pensar em si mesma. Aqui a conta é bastante genérica porque muita gente gasta mais do que duas horas por dia em transporte público e não consegue chegar perto das oito horas de sono necessárias, o que deixa a situação ainda mais dramática.
O cenário para os homens também é de caos, mas eles têm quem zele por eles quando voltam para casa - a mãe, a avó, a mulher ou até a filha terão pensado e feito as refeições, cuidado das roupas deles e oferecido amparo emocional para a dureza do cotidiano que os trabalhadores precisam enfrentar. Homens gastam menos de 11 horas semanais com o trabalho que executam dentro de suas casas, contra as 21 horas das mulheres.
Assim, uma escala que contempla apenas um dia de "descanso" pesa para todo mundo, mas pesa mais para as mulheres uma semana em que precisemos trabalhar por seis dias fora de casa e por sete dias dentro de casa. Na dita "folga" da mulher, absolutamente esgotada, quem tem força para ir malhar, aprender a tocar um instrumento, estudar, ler, meditar etc. O sétimo dia do homem é geralmente o dia do bar, dos amigos, da pelada, do jogo na TV. Enquanto eles fazem isso, a mulher está na cozinha trabalhando para eles e seus filhos. Para uma mulher dentro da sociedade patriarcal a escala de trabalho é de sete dias sem descanso.
Sem falar no tempo que é exigido que uma mulher gaste fazendo as unhas, arrumando o cabelo, comprando maquiagem, passando produtos na pele etc. Muitos empregos colocam como obrigação que a mulher tenha uma aparência impecável sem dar a ela tempo ou recursos para cuidar disso.
Então, o fim da escala 6x1 é uma pauta essencialmente feminista que não se esgota quando eventualmente conseguirmos alterar a lei. A partir disso - ou concomitantemente - temos que falar sobre todos esse trabalho de cuidado dentro de casa que é jogado no colo das mulheres como se elas tivessem nascido para isso, como se fosse um destino biológico, como se fosse tarefa obrigatória e que é empacotado como amor. Precisamos falar de descanso e da necessidade, que deveria ser um direito sagrado, de exercermos nossas criatividade e nossa alegria. Precisamos de pão, de circo mas também de poesia.
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