Entrevistas com jogadores da seleção ficam a cada dia mais constrangedoras
O futebol mundial agora é feito de protocolos. Em datas Fifa eles se manifestam por todos os lados e invadem as coletivas realizadas com treinadores e jogadores. Tudo começa com a estética totalitária: as mesmas mesas, os mesmos uniformes, as mesmas posturas, as mesmas minutagens para perguntas e respostas, o mesmo tom de falta de paciência e de paixão, as mesmas risadas sem graça sobre temas ainda mais em graça. Nesse ambiente fica difícil ser criativo e o resultado são as mesmas respostas dadas para as mesmas perguntas.
Eu duvido que o torcedor e a torcedora que ainda se importam com a seleção vejam a íntegra dessas coletivas. Se vissem, morreriam de tédio.
Nessa data Fifa o tema debatido tem sido a falta de interesse do brasileiro e da brasileira pela seleção e as respostas dadas a esse tipo de questionamento se aprofundam na monotonia. "Precisa apoiar", "a seleção é muito importante", "aqui a gente trabalha sério", "a pressão é grande", "vamos melhorar", "estamos no caminho", "os resultados virão", "tudo segue um planejamento", "não tem corpo mole", "não abandonem a seleção" etc, etc, etc.
Para provar que estão todos motivados, Marquinhos disse que por todos os lugares existem fixadas a tabela das eliminatórias. É uma ideia peculiar de motivação. Pior ainda do que a comitiva de Tite, que saía escrevendo em letras garrafais pelas paredes frases motivacionais.
A seleção não vai voltar a ser adorada porque meia dúzia de jogadores e dirigentes pediram encarecidamente durante uma entrevista sem vida para que assim fosse. Pedidos feitos num tom de voz tão modorrento que parecem vir de um lugar de vazio absoluto.
Seria preciso fazer mais e manter burocratas afastados.
A impressão é a de que os jogadores estão robotizados pela doutrinação da CBF. Imagino as reuniões que antecedem as coletivas. Uma lista do que pode e do que não pode ser dito por eles para os jornalistas. Andar na linha para não se queimar. Uma linha que faz vista grossa para diretores acusados de assédio sexual, seria bom deixar claro.
É um ambiente corporativo, não é um ambiente de afetos. É o que o futebol se tornou.
O que fazer?
Ações bastante singelas poderiam indicar que há criativos pensando o futebol da seleção e não apenas burocratas. Baratear os ingressos e lotar o estádio com torcedores de baixa renda. Abrir os treinos. Fazer uma roda de conversas entre jogadores e a torcida; a torcida de verdade, não membros do movimento verde-amarelo. Colocar mulheres, gays, trans e outros sujeitos políticos para pensar a seleção de dentro para fora. Mas não. Nem pensar. Vamos seguir aqui com os mesmos executivos de sempre ainda que não consigamos (Dorival amaria essa trilha de conjugações que eu peguei aqui) resultados diferentes há anos.
No sábado, 16 de novembro, uma dúzia de almas que ainda se importam com a seleção tentou assistir ao treino mas não pôde. Os guerreiros ficaram na porta do Barradão, em Salvador, xingando com raiva aquela separação policiada. Com razão, diga-se.
A seleção que pede para ser amada desde salas refrigeradas e protegidas por seguranças fecha as portas para o povo na rua. Então, realmente, ninguém está nem aí. Me intriga os patrocinadores acharem esse estado lamentável de coisas aceitável, mas o que sei eu sobre as razões do capital. Vai ver que para ele assim está mais do que bom.
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