Entrevista bizarra de Raphinha é sintoma de uma seleção perdida e destruída
O empate contra o Uruguai, para quem viu o jogo com atenção, foi eloquente para falar de uma seleção que já não tem estilo ou filosofia. Bons jogadores escalados em posições que não são as suas e correndo como corremos em uma pelada para a qual não nos preparamos. Ao contrário da pelada, nesse jogo do escrete nacional o que falta é alegria.
O placar: Um a um, fora o tédio.
Na saída, Raphinha - um dos melhores nesse balaio amalucado - falou aos microfones da TV. E disse que foi um jogaço do Brasil. Jogou demais. Jogou para ca_lho. Vai ser difícil ganhar da gente, ele disse com a cara fechada e olhar perdido no horizonte.
Eu, com bastante sono, fiquei escutando aquilo e pensando que jogo ele tinha jogado que não foi o que eu, ou o público que vaiava enquanto ele falava, viu. As vaias só não foram mais fortes porque a Fonte Nova, em Salvador, estava constrangedoramente vazia.
Não, não jogou para caramba, Raphinha. Atacamos, verdade. No segundo-tempo, atacávamos com Luiz Henrique de centro avante, Raphinha de lateral esquerdo e Martinelli de meia armador. Uma confusão sem fim que expôs a defesa, que já estava trepidante. O Uruguai só não marcou no contra-ataque porque o time pifou fisicamente.
Mas faz parte desse momento evangelizado da seleção apontar para o céu dizer coisas desse tipo que não têm conexão com a realidade vivida. Vai dar certo. Somos os maiores. Estamos no caminho. Tem coisa maior vindo aí. Confia.
Quando a entrevista estava acabando, o repórter perguntou sobre a próxima rodada de jogos da eliminatória, que coloca o Brasil contra Argentina e Colombia, duas forças. Raphinha fez cara de quem tinha escutado um insulto e respondeu: nós também somos muito fortes, antes de marchar em retirada furiosa.
Na tabela, estamos em quinto lugar. No campo, somos uma confusão. Nas entrevistas, somos alienados. Nos títulos, nunca mais ganhamos nada. O que somos, então? Fortes porque vencemos muito no passado? Fortes porque Pelé é brasileiro? Fortes porque Romário e Ronaldo foram extraordinários? Bem, sim, existe uma tradição e existem muitas pessoas que não estão vendo o Brasil jogar que vivem dessa memória. Mas falemos de tempos presentes. O que somos?
Somos um elenco que vive da evangelização das ideias. Confia. Vai dar certo. Somos os maiores. Com a gente ninguém pode. Pra frente, Brasil. Salve a seleção.
Falta muito pouco para voltarem com a marchinha infame dos tempos da ditadura.
Hoje, a seleção brasileira é um culto de auto-ajuda que usa frases motivacionais sem sentido para ofuscar a tragédia que se tornou.
Temos jogadores excelentes - como o próprio Raphinha -, mas entrevistas como a que ele deu depois do jogo, que vêm na esteira de outras absurdas ( "estaremos na final da Copa", "não abandonem a seleção"), revelam em cores fortes que em vez de resolver problemas reais (a falta de um estilo, a falta de alegria em campo, a falta de criatividade, a falta de brasilidade), a CBF trabalha com a criação de problemas inexistentes (a ideia do inimigo comum que detesta a seleção e contra a qual o elenco precisa se organizar verbalmente e mandar recados sempre que possível) para tentar não falar do que realmente importa: quando e como voltaremos a ser grandes?
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