Milly Lacombe

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Novos dados da ONU sobre feminicídio deveriam causar revolta mundial

A Organização das Nações Unidas divulgou o relatório "Feminicídios em 2023: Estimativas Globais de Feminicídios por Parceiro Íntimo ou Membro da Família". Os dados deveriam fazer o mundo parar de girar, deveriam levar homens às ruas, deveriam provocar a manifestação imediata das maiores lideranças políticas do planeta. Mas tudo o que escutamos foi o desvairado barulho do silêncio.

Estamos em uma guerra mundial e o lugar menos seguro para cada uma de nós é nosso lar. Para uma mulher, voltar para casa é se colocar em risco de morte. O que dizer dessa constatação devastadora?

Os dados indicam que 85 mil mulheres e meninas foram mortas intencionalmente em 2023. "Desses homicídios, 60% — 51 mil — foram cometidos por um parceiro íntimo ou outro membro da família. Isso equivale a 140 mulheres e meninas mortas todos os dias por seus parceiros ou parentes próximos, ou seja, uma mulher ou menina assassinada a cada 10 minutos", diz o relatório.

Virginia Woolf escreveu há 100 anos que, como mulher, ela não tinha um país; como mulher seu país era o mundo inteiro. É uma constatação poderosa. Não há diferença em ser mulher em Dubai, em Dublin, em Nova York, em Sidney, em Pequim, em São Paulo, em Porto Alegre, em Cuiabá, em Uberlândia, em Luanda, em São Petesburgo, em Tel Aviv, em Santiago, em Acapulco, em Paris, em Londres, em Moscou, em Tóquio.

"Nenhum país está livre do feminicídio. Por isso, nosso trabalho tem foco em buscar e compartilhar práticas promissoras que possibilitem real impacto na vida das mulheres e meninas. O primeiro passo é garantir acesso à informação como direito humano primordial. Conhecer seus direitos, saber como exercê-los e onde buscar apoio em situações de violência," explicou a Representante Interina de ONU Mulheres no Brasil, Ana Carolina Querino. "Transformar normas sociais que criam as condições de tolerância para a violência, principalmente aquelas ligadas à organização social do patriarcado e assimetrias de poder com base no gênero, também é absolutamente indispensável".

Há interesse político para tanto? Vejamos: Donald Trump, condenado por violência de gênero, foi reeleito. Jair Bolsonaro, que se manifestou publicamente a favor do estupro ( "só não te estupro porque você não merece", ele disse e repetiu a sua colega parlamentar) foi eleito a despeito desse horror criminoso. Há agora mesmo no congresso nacional pelo menos um deputado acusado de estupro.

"A violência contra mulheres e meninas não é inevitável, ela é prevenível. Precisamos de legislação robusta, coleta de dados aprimorada, maior responsabilidade governamental, uma cultura de tolerância zero e mais financiamento para organizações de direitos das mulheres e órgãos institucionais", disse Sima Bahous, Diretora Executiva da ONU Mulheres.

O futebol, esse lugar que poderia ser tão rico em ações sociais transformadoras, não dá um pio em nome da construção de um Brasil menos violento para as mulheres que, afinal, também são torcedoras.

Seguiremos falando, seguiremos lutando. Mas seria tudo mais fácil se existisse interesse político real e oficial.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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