O futebol é a dimensão que une o reino dos mortos ao reino dos vivos
Só quem passa muitos anos sem levantar um troféu sabe o que é conquistar o inimaginável e sentir a presença de um grande amor que já morreu. Não existe nada que una vivos e mortos mais do que o futebol. É por isso que dizemos que o futebol é maior do que a vida: porque ele nos coloca em contato com o que não podemos explicar, apenas sentir. Nesse mundo tão concreto, objetivo e cheio de diagnósticos, o futebol ensina sobre aceitar o mistério. Ele fala com Hades, fala com Ikú, fala com todas as divindades que trabalham nesse ir e vir entre os reinos.
Quem prestou atenção na conquista do Fluminense em 2023, a primeira Libertadores de sua vida, notou como havia pessoas emocionadas e evocando seus amores que morreram sem ver o tricolor campeão da América. O mesmo com o Botafogo. Marcelo Adnet, do alto de sua sensibilidade artística, deu início ao jogo final fazendo um chamamento aos botafoguenses que morreram antes daquele dia - e a Beth Carvalho, botafoguense apaixonada.
Boa parte do pranto que vem com uma conquista como essa vem da saudade que sentimos. É o amor a única força que transcende o tempo-espaço, disse a cientista de Interstellar interpretada por Anne Hathaway. Verdade absoluta. Pais, mães, tias, tios, amigas e amigos que partiram cedo demais - porque sempre é cedo demais - voltam a nos dar as mãos em dias de grandes jogos.
É impossível não se emocionar com os depoimentos de torcedoras e de torcedores falando com paixão daqueles e daquelas que não puderam ver o Botafogo conquistar a Libertadores e levar o Rio de arrasto nessa festa. Mesmo não sendo botafoguense é de se imaginar que o amante do futebol tenha se deixado levar pela comoção ao assistir aos depoimentos.
É por isso que a gente insiste em ficar perto do futebol a despeito de tanto ódio, de tantos preconceitos, de tanta violência, de tanta infantilidade. No final, quando a gente cansa e diz "fui", ele pega a gente de volta e ensina que tudo - até a morte - pode ser superado.
Deixe seu comentário
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Leia as Regras de Uso do UOL.