Pep Guardiola: do futebol total ao futebol totalitário
E o Pep, hein? Seu ultrabilionário City não ganha há dez partidas. É coisa demais para elenco tão estelar. É coisa demais para qualquer time, na verdade. Mas para aquele que é um braço de corporações cuja riqueza já não se pode calcular é, além de bastante ruim, também um pouco ridículo. O que estaria acontecendo para os lados de Manchester?
Guardiola e seu Barcelona do começo dos anos 2000 encantaram o mundo. Um futebol solidário, de movimentação constante, alegre, ofensivo, dinâmico. Messi e sua turma ganhavam e alegravam. Tive a chance de ver esse time em campo, em Wembley, numa final de Liga dos Campeões. A forma como ocupavam os espaços era "absolute cinema", como diria o meme.
Guardiola foi se desenvolvendo como treinador e sendo afetado por novas ideias. Buscou um estilo de jogo que pudesse ser impenetrável e invencível, ainda que saibamos que isso não existe. Mas ele tentou. E chegou perto. Seu City passou a jogar num esquema tático rígido e posicional. O que Pep parece querer é que, em campo, os jogadores executem o que ele desenhou. Não vale ousar, não vale ser criativo. Sigam minha cartilha e tudo ficará bem. Seu Barcelona era ofensivamente brilhante, mas também defensiva vulnerável. E essa era uma de suas forças: ele levava gols e saía para fazer gols. Não se entregava. Era capaz de viradas heroicas. Mas Pep quis mais e foi buscar uma forma de ser menos vulnerável, como se a vulnerabilidade fosse um problema e não apenas um dos sintomas da proposta de montar um time leve, ofensivo, rápido e total. Jogar bola, afinal.
O jogo posicional - esse inferno - é aquele que tira do atleta a capacidade de inovar e confere ao treinador o controle absoluto sobre a partida. Uma ilusão, claro. O único resultado certo é o do tédio para quem assiste. No mais, tudo pode acontecer. Mas, evidentemente, esse jogo entediante se mostrou bastante vencedor e o City conquistou tudo o que poderia conquistar. Dane-se a falta de criatividade, dane-se a ausência de manifestações artísticas; queremos taças. E elas vieram.
Guardiola quer ser o regente supremo de uma orquestra que precisa, para soar afinada, obedecer seus comandos. Mas o futebol é jazz: o próximo acorde acontece sem premeditação, ele nasce do relacionamento entre os músicos e da escuta entre os envolvidos.
Agora, pela primeira vez em sua carreira, Pep enfrenta uma crise técnica e tática. Seu futebol totalitário não consegue mais ganhar. O elenco dá sinais de desânimo. Deve mesmo ser ruim ter que jogar de forma tão rígida, ter sua inteligência suprimida em nome das certezas autoritárias de um treinador acima de qualquer suspeita.
Eu preferia aquela Pep em começo de carreira. Seu Barcelona foi bom de ver jogar. Com esse City eu nem me importo. Tudo parece fabricado e tedioso demais. Guardiola pode se reinventar. Eu apostaria nisso. Mas, por enquanto, estamos vendo em campo a falência de um estilo de jogo que se compara ao pior que existe hoje no mundo: triste, sem movimento, sem alegria, sem encanto.
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