Adriano, mais do que imperador, um homem da favela
Todos os dias milhões de homens e mulheres que moram nas favelas do Brasil e do mundo saem de suas casas, enfrentam horas em transporte público de péssima qualidade e vão abrir as cidades e as casas para as classes médias e altas passarem, como ensina a historiadora francesa Françoise Vergès. Moram nas favelas e periferias das metrópoles os mais esforçados e dedicados trabalhadores do planeta. Adriano, assim como tantos outros jogadores e jogadoras de futebol, nasceu na favela e viu sua família enfrentar esse cotidiano de insanidade e exploração em busca de pão. Só que Adriano nasceu com um dom e pôde ser a exceção nesse cenário de precariedade social: tirou todos os seus da pobreza. Não tirou da favela, lugar de onde ele mesmo se recusa a sair, e isso parece incomodar muita gente.
Trata-se de um jogo que Adriano, conhecido na Europa como Imperador, não tem como vencer. Se negasse a favela, jamais seria aceito nos círculos mais altos da sociedade porque o recorte de classe, a despeito de seu saldo bancário, não o abandonaria nesse Brasil das oligarquias. Por outro lado, se fica na favela é chamado de marginal como se existisse alguma relação em ser favelado e ser bandido. Os grandes bandidos do Brasil e do mundo, como estamos cansadas e cansados de saber, moram em seus palácios dentro das cidades.
A favela é a casa de Adriano. Pode não ser o endereço dele hoje, mas é a casa dele. É onde se sente bem, onde se protege do mundo, onde é acolhido. E ele não se envergonha disso, muito pelo contrário. Aliás, por que deveria? Quem precisa se envergonhar da favela é quem a produz e quem lucra com sua existência. Não quem nela nasce, resiste e sobrevive.
Adriano, ou Didico como é carinhosamente chamado por aqui, foi um dos maiores que vi jogar. Encerrou a carreira precocemente porque é um cara que sente demais e não nega que sente demais. Mergulhou no luto da morte do pai e demorou a encontrar uma rota para sair de tanta dor. Sua carreira foi interrompida. Muito mais poderia ter feito. Mas precisava? Para quem? Por quem?
Nesse domingo 14 de dezembro o Maracanã voltou a cantar, dançar e jogar com Adriano numa festa de despedida. E foi bonito de ver.
Adriano é a história de um Brasil que se orgulha de resistir. Não se trata de romantizar o precário. Temos que acabar com favelas e periferias no sentido de fornecer casa, água, saúde, oportunidade, ensino e dignidade a todos. Mas não podemos acabar com as formas de expressões artísticas e com os artistas que a favela e a periferia produzem. Adriano é um deles e me desculpem os colonizadores, mas isso é muito mais do quer ser imperador. Vida longa a Didico.
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