Futebol e prostituição: a gente se vê por aí
Quando um site de acompanhante passou a investir no futebol brasileiro houve uma gritaria. Mas passou rapidamente porque, afinal, o site escolheu apoiar o Vitória da Bahia e, nesse país sudestinamente centrado, a Bahia está deslocada. Mas então o site ousou colocar seu nome nas placas de publicidade de algumas partidas, e aí a coisa ficou feia. Piorou quando a empresa se meteu no Corinthians e se tornou a maior doadora até aqui da vaquinha para a quitação da dívida do estádio. Não pode isso. Que feio. Tirem as crianças da sala. Aposta pode. Bebida pode. Mulher objetificada para vender cerveja pode e deve. Quanto mais peladona, sexy e com cara de quem quer transar comigo, melhor. É só colocar uma gelada na mão dela que fica tudo ok. Agora - estamos aqui, a família tradicional brasileira, vendo um jogo de bola tranquilaças e vocês vêm com prostituição bem na nossa cara? Não vamos tolerar. Hoje papai vai chegar mais tarde porque tem um compromisso. Mamãe prepara o jantar e coloca vocês na cama, a gente se vê amanhã.
O trabalho sexual é consumido pela maior parte dos homens que curtem futebol. Um ofício que oferece oportunidade para todo tipo de trabalhadora sexual - travestis inclusive e fortemente. Diante de tantas tretas, por onde devemos começar a avaliar essa situação?
Primeiro, pela hipocrisia. Como podemos aceitar liberar propaganda de bebida e jogatina, coisas altamente viciantes e que destroem a vida dos usuários, e não de prostituição? O que nos leva para a segunda camada da análise.
A vida de quem é destruída na prostituição? A daquele que consome ou a de quem é consumida? E aqui vamos para a terceira camada.
O trabalho sexual é um trabalho como outros. Ele tem aspectos degradantes - como outros, muitos outros - e aspectos que podem ser chamados de emacipatórios se por emancipação a gente entender a capacidade de se sustentar na vida.
Existem centenas de explicações sobre por que a prostituição existe e sobre sua função de sustentar o casamento monogâmico, a família tradicional e o capitalismo. Não vou entrar nesses méritos. Vou apenas analisar a circunstância sob o ponto de vista da trabalhadora sexual e de sua integridade. Quando ela se organiza em coletivos como o do site em questão ela se protege. Existe mais segurança, existe um contrato de serviços, existe apoio, amparo e rede.
Não sei qual é o modelo de negócio da Fatal Model, não sei se ela opera em regime de distribuição de lucros, mas sei que é uma empresa que emprega diversidade como poucas. Aceitamos de boas que uma empresa que venda veneno legalmente nas prateleiras dos supermercados opere sem diversidade e sem distribuição de lucros, mas quando falamos de uma empresa de prostituição passamos a exigir que ela se comporte como nenhuma outra e atue de modo santo e na sombra.
O trabalho sexual precisa ser protegido enquanto existir patriarcado porque a vida das mulheres que nele estão inseridas corre riscos diários. Seria sim ideal um mundo dentro do qual não precisássemos nos vender. Mas isso, meus caros, vale para qualquer setor de nossas existências. Abordar a prostituição sem preconceito e sem hipocrisia é o primeiro passo para uma análise justa.
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