Milly Lacombe

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OpiniãoEsporte

Urbanista alerta para os riscos que o novo Pacaembu vai enfrentar

O urbanista Nabil Bonduki, professor de planejamento urbano da USP, vem fazendo regulares alertas sobre como as obras da reforma do Pacaembu estariam negligenciando a realidade hídrica do local. Diante do recente alagamento do estádio, que resultou no cancelamento da final da Taça das Favelas, o professor voltou a explicar por que a encrenca vai ser grande se nada for alterado na forma como o histórico estádio foi reformado.

Em sua conta no Instagram, Bonduki escreveu: "O campo do Estádio do Pacaembu ficou encharcado e a final da Copa das Favelas foi cancelada, ficando evidente as falhas do projeto da concessionária do Estádio Pacaembu".

O professor diz que a área onde o estádio foi construído é "ambientalmente sensível", mas que, ao menos, o projeto original, que é dos anos 1930, "buscou adaptar a construção, na medida do possível, ao meio físico, com as arquibancadas sendo construídas sobre o terreno natural, na vertente do vale". Por ali, diz Bonduki, vivem nascentes e águas pluviais que correm para o fundo do vale. Nos anos 90, havia enchentes regulares na Avenida Pacaembu e o problema foi resolvido com a construção do piscinão, inaugurado durante a gestão de Paulo Maluf, que fica sob a praça Charles Miller.

Com a concessão para empresa privada, Bonduki lembra que o projeto original foi alterado nessa reforma. Cavaram a terra sob as arquibancadas para construir novas áreas comerciais, surgiu um "shopping" onde ficava o Tobogã e, antes dele, a concha acústica. Para piorar, o gramado natural foi trocado pelo artificial, o que também tem impacto na absorção da água.

"Não consigo acreditar que tudo isso foi feito sem que a concessionária considerasse o impacto dessas intervenções na drenagem e os níveis pluviométricos atualizados em decorrência das mudanças climáticas", lamenta o professor em sua rede social antes de dizer que a Praça Charles Miller, tão importante para a cidade de São Paulo, foi transformada em um canteiro de obras.

A Allegra Pacaembu, que agora administra o complexo e é responsável pela reforma, soltou comunicado depois da inundação do dia 21 de dezembro dizendo que uma tubulação de águas pluviais, na alameda Leste do estádio, se rompeu por causa da chuva e que isso foi o que gerou o refluxo responsável pela cheia. A nota explicou que o incidente aconteceu por fatores externos.

Fatores externos é bom demais.

Bem, fatores externos são justamente o problema dessa fase de nossas vidas. O que a economia neoliberal chama convenientemente de "externalidades" é o que afeta nossas vidas de forma direta e que deve ser levado em conta na hora da construção. As chuvas não são obra de Deus ou de São Pedro. Cientistas do mundo inteiro avisam há décadas que a coisa vai piorar e que as chuvas serão mais intensas a partir de agora. Aterrar, concretar e cimentar serão sempre ações sensíveis nesse cenário. Mas, claro, quando o horizonte é o lucro e não uma cidade habitável a disputa é covardia. O que a nota da Allegra Pacaembu faz é justamente sugerir que, com chuvas intensas, não há muito como prever o estrago. É uma forma educada de dizer ao paulistano: amigos e amigas, essa conta é de vocês.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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