Milly Lacombe

Milly Lacombe

Siga nas redes
Só para assinantesAssine UOL
OpiniãoEsporte

As quatro mulheres que me fizeram delirar em 2024

Dois mil e vinte e quatro foi um ano de muitos destaques femininos e eu queria cometer a deselegância de mencionar quatro delas, o que indica que estarei deixando tantas de fora. O que me sossega a alma é saber que essas quatro mulheres nos representam em nossas totalidades, então talvez esse deslize de escolher quatro entre dezenas possa ser perdoado.

Começo com Rebeca Andrade e sua arrebatadora participação nos jogos olímpicos de Paris. Rebeca é um milagre dentro de uma nação que insiste em produzir heroínas que vêm dos locais mais precarizados. Heroínas que todos os dias saem de suas casas antes do Sol nascer para irem "abrir as cidades", como ensina Françoise Vergès. Abrir as cidades e preparar café da manhã, almoço e jantar para a parte rica e branca do país. Rebeca e sua história dão vida a sonhos e caminhos sem ousar falar violências como "se você se esforçar, também pode chegar lá". As pessoas mais esforçadas que conheço não vão "chegar lá" e seguirão labutando pesadamente, sem nenhum tipo de ócio no horizonte, até morrerem. Rebeca é Norte, é potência, é inspiração. Olhar para sua força e para seus movimentos que desafiam a física é ter a certeza de que, se o Brasil oferecesse oportunidades, seríamos o país mais vitorioso da galáxia.

Impossível não falar de Gisele Pelicot, a francesa de 72 anos que mudou a vergonha de lado em casos de violência sexual contra mulheres. Dopada e estuprada durante anos pelo marido e seus colegas - 51 ao todo -, Pelicot se recusou a ter seu nome mantido no anonimato, fez questão de ser fotografada e entrevistada sempre de cabeça erguida e apontando o constrangimento para onde ele deve ir: para o criminoso. É comum que mulheres vítimas de abusos, assédios e estupros se sintam envergonhadas por terem passado por essas violências, mas Pelicot, ao dar um passo à frente e dizer um basta muito bem dito, mudou a vergonha de lado e ensinou para mulheres do mundo inteiro muitas coisas sobre confiança, segurança e auto estima.

A cantora e compositora Liniker, 29, viveu, em 2024, o ano da sua vida e, ao lançar o álbum Caju, levou com ela de arrasto milhões de pessoas nessa jornada de transgressões, transformações, transcendências, transposições e transparências. Liniker colocou o prefixo "trans" em novo lugar. Ela rompeu bolhas com suas composições em Caju de formas definitivas. Não tem volta a partir daqui. Ela jogou a fronteira lá para frente.

Por fim, minha mais nova obsessão: Tamara Klink. A brasileira de 27 anos, depois de cruzar sozinha o Atlântico em um barquinho a vela - isso em 2022 - foi para a Groenlândia, navegou até um ponto isolado, ancorou seu barco e ficou por lá sozinha durante oito meses vendo a água virar gelo, o barco encalhar e ela se isolar. Dentro de uma noite longa, gelada e profunda, ela ficou. Teve que aprender sobre primeiros socorros, teve que comprar um rifle e aprender a atirar, teve que se aprofundar nos conhecimentos sobre mecânica e física. Seria um feito colossal para uma mulher tão jovem - para uma mulher de qualquer idade, a bem da verdade - mas o que me encanta em Tamara não são exatamente suas aventuras em solitário - coisas que invejo porque, como ela, tenho esses sonhos recorrentes de ficar muito tempo completamente sozinha em lugares improváveis. O que me encanta é a forma como ela reflete sobre essas jornadas, sobre como fala do espaço em "Nós", sobre como fala do tempo na geleira em que seu barco encalhou, sobre sua visão da sociedade, sobre ser mulher nesse mundo, sobre a forma como vivemos. Seu livro "Nós" é uma obra de extrema gentileza e amor na medida em que gentileza e amor estão contidos na forma como uma pessoa é capaz de falar do que sente e de, ao fazer isso, incluir a todas e todos nós nessa categoria de ser humano.

Acho que essas quatro mulheres representam milhões de outras. Elas nos falam sobre sonhos e realizações. Falam sobre força e coragem. Falam sobre como podemos derrubar muros e sobre como com cada muro que cai existe uma multidão de mulheres prontas para avançar.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

Deixe seu comentário

O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Leia as Regras de Uso do UOL.