Não podemos ensinar pessoas negras a lutarem contra o racismo
Vini anda muito nervoso. Vini tem perdido a cabeça. Vixi precisa se acalmar. Vini está descontrolado e ficando sem razão. Vini é craque mas só pensa em revidar.
O que mais aparece nas redes sociais são pessoas brancas tentando explicar ao atacante do Real Madri como ele deve se comportar para seguir na luta que tomou para si. O que há de errado com essa atitude? Tudo, para dizer o mínimo.
A questão sobre o maltratado "lugar de fala", tão pouco compreendido, é que ele não é sobre "só pode falar desse tema quem sente ele na pele". É sobre "vamos escutar quem é alvo, vamos aprender e vamos também nos manifestar". Só que essa manifestação não é ensinar as vítimas a lutarem. É, justamente, a compreensão de que há dias em que a vítima vai estar exausta, furiosa, esgotada, nervosa, desesperada. E vai reagir em tons mais elevados. Não se chama violência; se chama contra-violência. Pessoas brancas têm o dever de falar sobre o racismo já que somos nós que o reproduzimos mais fartamente.
O mesmo vale para o machismo e a misoginia. Feministas que se impõem contra preconceitos são chamadas de histéricas, revoltadas, descontroladas. Não demora cinco minutos para aparecer um homem tentando nos explicar como exatamente devemos lutar. Sejam mais doces. Mais educadas. Falem mais baixo. Não generalizem. Assim você me ofende. Eu não sou esse homem. Patati patatá.
Vini anda nervoso. E como não estaria? Em Valência, depois de sua expulsão na partida desse 3 de janeiro, boa parte do estádio o chamou de macaco. Só ele sabe o que dizem em campo os rivais. Só ele sabe o que dizem por suas costas seus pares. Tem que escutar todo tipo de violência verbal e seguir sendo um homem muito doce e controlado. Quer lutar contra o racismo, Vini? Ok, mas vai ser nos nossos termos.
Que a torcida do Valência - reincidente em manifestações coletivas de racismo - siga com as portas de seu estádio abertas já é suficiente para que Vini se desespere. A pergunta que devemos nos fazer é: por que apenas ele se descontrola diante do racismo? Por que seus colegas não agem da mesma forma? Por que os dirigentes do Real não agem da mesma forma? Por que a torcida não age da mesma forma? É fácil lutar contra o racismo como estou fazendo aqui: de meu escritório com vista para as montanhas. Difícil é se expor publicamente mandando, dentro de um estádio lotado, o racista ao lado calar a boca.
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