Fernanda Torres virou um sentimento e Lula deveria estar atento
O Brasil que enlouqueceu com a premiação de Fernanda Torres no Globo de Ouro não enlouqueceu exatamente por uma pessoa, mas por um sentimento. Um sentimento que traduz um orgulho que não é o do patriota entreguista e abobalhado, mas o do cidadão e da cidadã que amam uma ideia de país que tem como base a nossa cultura. E essa cultura não nasce nas instituições - aliás, é ali que ela morre.
Essa cultura nasce nos guetos, nas frestas, nas baterias das escolas de samba, no bumba meu boi, nas benzedeiras, no frevo, nos terreiros, em Clarice, em Machado, em Carolina Maria . Trata-se de uma ideia de país, não de um país de fato. Uma ideia na qual acreditamos com mais força ainda quando uma das nossas levanta prêmio na gringa porque atuou num filme contra a brutal ditadura que nos afundou e levou tanta gente boa daqui.
Uma ideia de país porque esse Brasil que entrou em delírio com Fernanda Torres não está no poder, embora ele seja o poder.
Lula correu para enaltecer Fernanda publicamente, mas em seu governo há a mais completa ausência de políticas de créditos para produções brasileiras. "Ainda Estou Aqui" existe porque recolheu dinheiro privado. Quem pode fazer isso? Walter Salles pode. Você pode? Eu posso? Não. Não podemos. Ou até podemos. Boa sorte pra gente.
Onde estão as políticas públicas para a cadeia produtiva do audio visual e das artes em geral?
Sim, verdade, Lula é completamente diferente de Bolsonaro e seu governo precisa resgatar um setor que foi destruído pelo anterior.
Bolsonaro jogava contra uma ideia minimamente decente de Brasil e colocou um nazi-fascista como liderança da pasta que achou divertido fazer cosplay de Goebbels para refundar a arte brasileira em cadeia nacional de TV. Lula não é esse cara, nunca foi e jamais será. Lula é o maior presidente que o Brasil já teve; Bolsonaro é o pior. Lula é simpático, parabeniza nosso cinema e nossa arte publicamente, chora de emoção. Mas não apoia de fato e de direito com dinheiro e políticas públicas da forma como precisaríamos.
Em seu governo, me parece que falta o entendimento de que cultura é força desenvolvimentista. Cortam verba, sucateiam, negligenciam. Ignorara-se o fato de que oito milhões de empregos são gerados pela economia criativa, que representa mais de 3% do PIB. Quantos "Ainda Estou Aqui" seriam produzidos com políticas públicas fartas que tratassem o audio-visual respeitando toda a sua potência criativa?
Fernanda Torres e sua jornada de conquistas internacionais representam uma ideia de Brasil. Uma ideia de democracia representativa. Uma ideia de conquistas populares. Uma ideia de volta por cima. É isso o que estamos celebrando com tanta paixão. Espero que o governo esteja atento. Porque estamos cansadas e cansados de palavras atiradas ao vento que não resultam em políticas públicas para o audio visual.
O outro lado
Em questão de minutos depois da publicação desse texto, a Secretaria de Comunicação do Governo, a Secom, entrou em contato com a coluna para passar alguns dados. O contato, feito de forma educada e construtiva, é um indicador de que Lula está atento, e essa notícia é boa. Indica também, a julgar pelo tom da comunicação, que Lula cumpre a promessa feita quando assumiu de estimular críticas para, com elas, melhorar. Seguiremos nesse dueto a fim de construir um setor audio-visual mais forte, menos precarizado, menos entregue a interesses internacionais.
Diz a Secom:
"O Governo Federal faz o maior investimento na Cultura da história do país. Com a Lei Paulo Gustavo, 3,86 bilhões de reais foram transferidos para estados e municípios. Quase 70% — ou 2,8 bilhões de reais — para o setor audiovisual, o que inclui a restauração, manutenção e funcionamento de salas de cinema. Além disso, em 2023 e 2024 foram investidos 4,8 bilhões de reais em recursos do Fundo Setorial do Audiovisual e Leis de Incentivo Ancine: o maior investimento no audiovisual brasileiro da nossa história".
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