Após machismo, presidente do Athletico-GO faz pedido de desculpas indecente
"Nathalia, gostaria de expressar minhas desculpas pelo comentário feito durante a entrevista de hoje. Em nenhum momento minha intenção foi ofender ou desrespeitar você, que considero uma profissional de muito bom nível."
Começa assim um dos mais inapropriados pedidos de desculpas já escritos. O autor é o presidente do Dragão, Adson Batista, e ele fala com Nathalia Freitas, que cobre o time há bastante tempo.
O que aconteceu: durante uma entrevista pós jogo, Adson disse que a avaliação feita por Nathalia de que o jogador Alê fez partida até razoável se devia ao fato de a repórter achar o atleta bonitinho. No ato, Nathalia avisou que a declaração a diminuía profissionalmente, e o executivo achou de bom tom retrucar que ela estava se vitimizando. Nathalia abandonou a entrevista e o vídeo do diálogo viralizou. Diante da situação, o dirigente se sentiu no dever de cometer o pedido de desculpas que analisaremos aqui.
Observemos as primeiras linhas do suposto pedido de desculpas.
"Em nenhum momento minha intenção foi ofender."
Seria bacana se nunca mais essa frase fosse usada em supostos pedidos de desculpas. Tanto faz sua intenção. Ofendeu. Ponto. Nathalia se disse e se mostrou ofendida - e ainda teve a paciência de explicar ao dirigente por que. Basta. Deveria bastar para que nunca mais alguém dissesse: minha intenção não foi essa.
Adson continua.
"Entendo que, em situações como essa, o humor pode ser mal interpretado, e lamento profundamente se a brincadeira a fez se sentir desconfortável."
Quem autoriza que uma frase como a acima seja publicada? Adson não apenas a ofendeu de início como seguiu ofendendo com essa colocação estapafúrdia. Não é brincadeira dizer que alguém que está ali fazendo seu trabalho tem seu julgamento inebriado por achar jogador bonito. Sabe quem avalia assim? A cultura masculina. Sabe quem é avaliada nesses termos? A mulher. Sempre. Quando Adson coloca as coisas desse modo vulgar, descabido e alienado ele está piorando a ofensa. Não é brincadeira sugerir que uma mulher é incapaz de avaliar porque acha homem bonitinho. É grotesco. É horrível. É ofensivo.
E, notem, ele lamenta que ela tenha se sentido desconfortável. Vejam a perversão. O erro não foi o que ele disse. O erro foi o que ela sentiu. Compreendem a indecência? São camadas e camadas de violência em poucas frases. Não foi o que eu fiz, foi como você sentiu: eis aí um resumo da ideologia masculinista. Vai se tratar, querida. Aumenta a dose da medicação. Melhore - é o que está na entrelinha.
Piora.
"Tenho contato profissional com você há quase 10 anos. Sempre tive grande respeito pelo seu trabalho e pela pessoa que é!"
Não, não teve. E a prova é a colocação desrespeitosa na entrevista e esse pedido de desculpas indecente. Segue.
"Quero que saiba que a intenção nunca foi de causar qualquer tipo de constrangimento, mesmo porque a minha postura não foi de te ofender ou diminuir."
Sim, sua postura foi exatamente a de diminuir. Essa foi a sua postura literalmente. Estava nervoso porque Nathalia se contrapunha e oferecia argumentos no diálogo público, e Adson quis diminuir a repórter. Colocar ela no lugar dela, o lugar da mulher sempre incapaz de pensar com clareza. Foi exatamente isso que você fez, senhor dirigente.
"Repito que jamais tive a intenção de diminuir a sua reputação", termina assim a indecorosa carta. Adson nem precisava repetir essa frase inadequada, mas repetiu para se aprofundar na lama.
O que o dirigente fez, a despeito do que ele diga que não fez, está gravado e foi exatamente tentar afetar a reputação de Nathalia. Qualquer sugestão à sexualidade livre de mulher tem essa intenção. Como uma mulher é xingada? Quais são as ofensas usadas? Tudo muito evidente para quem estiver disposto a enxergar. Acho que Nathalia até estaria disposta a escutar um pedido de desculpas honesto e que mostrasse que o dirigente tem alguma noção do que fez. Eu estaria. Muitas estariam. E nem precisaríamos estar, essa é a verdade. Mas estamos porque queremos poder trabalhar numa sociedade menos violenta com nossa integridade. Só que esse não foi o caso do suposto pedido de desculpas de Adson.
Não há nesse suposto pedido de desculpas uma migalha de compreensão a respeito do machismo, não há envolvimento com o erro, não há implicação na misoginia praticada, não há indícios de que o dirigente vai tentar ser uma pessoa melhor, mais atenta. Esse não é um pedido de desculpas. É uma forma lamentável e infantil de dizer quem manda e de explicar como e por que o machismo seguirá sendo escalado para o jogo. É um "coloque-se no seu lugar" com centenas de palavras emendadas.
45 comentários
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Domingos Spinelli
Milly, você ficou mais famosa na TV pela calúnia que fez contra Rogério Ceni, o qual de desmascarou ao vivo, do que por seus méritos profissionais. Era bem mais jovem do que é hoje, e acredito que tenha sinceramente se arrependido daquele erro. Acredito que tenha se desculpado com o Rogério, certo? O que esse cara falou foi um baita desrespeito, é absolutamente inaceitável tratar uma profissional dessa forma. Ele errou, e feio. Porém, se desculpou. Se as desculpas são sinceras ou pró-forma, só uma pessoa sabe: ele. Creio que o correto é aceitar as desculpas e ficar de olho nele. Se não repetir esse ato com mais nenhuma mulher, é sinal que aprendeu. Se repetir, que seja levado à justiça, como você foi, e deve ter aprendido muito com isso. As pessoas erram, esse pelo menos teve a postura de se desculpar.
Regina Ponte do Carmo
A senhora já pediu desculpas ao Rogério Ceni ? Ou só pagou o acordo do processo que perdeu na justiça e deixou por isso mesmo ? A senhora já errou feio e perdeuna justiça, deixa os outros errarem e pedirem desculpas, ou só vc tem a voz da razão ? Vindo de uma pessoa que errou feio no passado e chegou a acusar alguém de crime, deveria pensar melhor antes de vir lacrar.
Marcelo Carvalheiro Brinholli
Ofensas à parte, ela poderia ter tido jogo de cintura e respondido: "nem tinha reparado nisso. Você acha, mesmo, ele bonitinho?" Teria rebatido o machismo com o que o macho mais detesta: ter sua sexualidade questionada.