Por que você não verá em Tóquio a ginasta que encantou o mundo com Beyoncé

Um torneio amistoso de ginástica artística entre duas universidades norte-americanas gerou repercussão mundial na semana passada. A apresentação de solo de Nia Dennis acompanhada de trilha sonora com músicas da superstar Beyoncé já chega a 9 milhões de visualizações só no Twitter. Seria uma prévia do que veremos na Olimpíada?

Não. Definitivamente, não.

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Assim como na maior parte dos esportes americanos, existe uma discrepância entre a ginástica da NCAA (principal liga universitária dos EUA) e a ginástica "olímpica", regulada pela Federação Internacional de Ginástica (FIG). Nos Estados Unidos usa-se o termo "collegiate" para designar a primeira e "elite" para o segundo. Diferente da natação ou do atletismo, a ginasta universitária não compete concomitantemente na ginástica "olímpica", e vice-versa.

A ginástica universitária, como é costume nos EUA, é voltada para o entretenimento, com um código menos rígido, que dá margem para espetáculos dançantes como de Dennis. As acrobacias tão lugar à dança, aproximando atleta e público. O código também é diferente na pontuação, com apenas dois juízes levantando plaquinhas com notas em eventos como o que Dennis brilhou e a tendência ao 10, quase como no carnaval de São Paulo. Há ainda o fator torcida. Como é usual na NCAA (onde a cultura da prova por equipes é mais forte do que a individual), as colegas praticamente dançam junto na beira do tablado.

A rotina de treinamentos também é muito diferente. Uma ginasta da NCAA treina cerca da metade do tempo, por semana, do que uma ginasta que visa os Jogos Olímpicos. Além disso, a ginasta olímpica costuma precisar pagar para utilizar um ginásio, o que torna necessário que ela tenha algum tipo de patrocínio para se manter no esporte. Ao se tornar profissional, ela fica inelegível pelo resto da vida para ser universitária.

Isso faz com que, nos Estados Unidos, ginastas que ainda estão no ensino médio precisem tomar uma decisão definitiva: ir para uma universidade e abandonar o sonho de disputar uma Olimpíada, ou seguir na ginástica "olímpica" e possivelmente nunca poder fazer uma faculdade - ao menos não com bolsa de estudos e não competindo.

Existem exceções, claro. Kyla Ross, hoje na UCLA, foi ouro olímpico por equipes em 2012 e, em 2016, anunciou que nem tentaria ir à Rio-2016 para se dedicar à universidade, onde começaria a estudar em setembro (depois dos Jogos, portanto). Ela nunca havia sido profissional. MyKayla Skinner, por sua vez, fez o caminho de ida e o de volta. Disputou os Mundiais de 2014 e 2015, virou universitária em 2016, foi duas vezes vice-campeã nacional, e decidiu voltar para a ginástica "olímpica". No ano passado, já foi campeã mundial por equipes de novo.

Neste caso, o problema de Dennis é que ela não tem resultados como de Skinner. A nova queridinha da internet chegou a competir pela seleção norte-americana em dois torneios no ano em que chegou à idade adulta (2014), sem brilhar. Em 2015 e 2016, chegou a participar do Campeonato Norte-Americano, também sem sucesso. Foi nona no individual geral em 2015 (quarta na trave e décima no solo) e, no ano seguinte, recuperando-se de uma lesão no tendão de Aquiles, terminou apenas em oitavo nas barras assimétricas. Mesmo naquela época, passava longe de disputar uma vaga na seleção mais concorrida do mundo.

E, na verdade, a impressionante nota de Dennis no vídeo que está rodando o mundo, 9,9750, não é tão impressionante assim. Só na atual temporada, pelo menos duas outras ginastas (Gracie Kramer, também da UCLA, e Thomas Trinity, da Universidade da Florida) já tiraram 10,0000 no solo - e muitas outras nos demais aparelhos. As notas 9,9750, como dela, contam-se aos montes.

No ano passado, outra ginasta, também da UCLA, já havia encantado o mundo por razões semelhantes. Naquela ocasião foi a contagiante Katelyn Ohashi quem viralizou por sua apresentação em um torneio amistoso. Já havia sido assim em 2018, também, com a própria Ohashi.