Velódromo não deixa legado e Brasil fica fora de Tóquio no ciclismo
Dono de um velódromo de primeiro mundo construído para os Jogos Olímpicos do Rio, na Barra da Tijuca, o Brasil está fora de Tóquio-2020 no ciclismo de pista. Quatro anos depois da obra, o país segue sem sequer enviar atletas disputando com regularidade as etapas de Copa do Mundo e se classificando para Campeonatos Mundiais. É que dos mais de R$ 5 milhões investidos por ano na modalidade apenas em recursos federais, cerca de 95% vai para a manutenção do velódromo. Os atletas ficam com o resto.
Quando o Rio apresentou sua candidatura para ser sede da Olimpíada de 2016 e saiu-se vitorioso, o plano era utilizar, para as provas de ciclismo de pista, o velódromo construído para o Pan de 2007. O Comitê Olímpico Internacional (COI) e a União Ciclística Internacional (COI) achavam aquele velódromo pequeno demais, com pilares centrais que impediam a visão total da pista, e exigiram a construção de um novo. Em 2012 o governo federal cedeu.
O antigo velódromo foi desmontado (e segue assim) e um novo foi construído, por R$ 143,5 milhões (valores de 2016). Ao inaugurar a obra, o então ministro do Esporte, Leonardo Picciani (MDB-RJ), ciclista federado, prometeu que a pista ajudaria o desenvolvimento do ciclismo de pista no país. "Eu creio que o Rio de Janeiro terá a partir do fim das Olimpíadas, como legado, um grande equipamento para desenvolver o ciclismo no estado e no Brasil. Fazemos daqui um ponto de referência para o ciclismo de pista em todo o Brasil", comentou no dia em que cortou a faixa inaugural.
A promessa nunca foi cumprida. Depois dele, o ministério do Esporte (hoje secretaria) teve outros três ministros/secretários e agora está entrando no quarto, e a situação do ciclismo de pista brasileiro só anda para trás. Em 2016 o Brasil pelo menos conseguiu classificar um atleta para a Olimpíada.
Quase quatro anos após a abertura do velódromo, ele continua sem sediar nenhum projeto do governo federal, do Comitê Olímpico do Brasil (COB) ou da Confederação Brasileira de Ciclismo (CBC) voltados ao alto-rendimento. Funciona ali apenas uma escolinha da Federação de Ciclismo do Rio de Janeiro (Fecierj).
Sequer o Campeonato Brasileiro tem sido disputado no velódromo do Rio, porque a operação da pista é cara demais para o tamanho da carteira da CBC. Em 2017, como noticiou o blog, a conta era de R$ 700 mil, incluindo hospedagem. Até hoje nenhuma competição oficial "olímpica" foi realizada no local - apenas o Mundial Paraolímpico, investimento do governo federal. Os torneios de 2021 e 2024 também estão programados para o Rio.
O ciclismo brasileiro, porém, se aproveita muito pouco da pista, que ficou diversos meses fechada, ao longo dos últimos três anos, como consequência da queda de dois balões que queimaram a cobertura. Um dos poucos brasileiros que treinam lá, Kacio Freitas até foi bronze no Pan de Lima. Depois, foi pego no doping. Sem ele, as chances de classificação se reduziram drasticamente.
O cenário econômico da CBC também não ajuda. A entidade, que nunca ganhou medalha olímpica, perdeu o patrocínio da Caixa Econômica Federal no início de 2017 e passou a depender quase que exclusivamente dos recursos da Lei Agnelo/Piva. Sem grandes resultados internacionais, a modalidade teve direito a apenas R$ 3 milhões ano ano passado, que precisam ser divididos em cinco disciplinas olímpicas: moutain bike, BMX Freestyle, BMX Racing, estrada e pista. Como comparação, o golfe, que tem só duas provas (masculina e feminina), e o Brasil não participará de nenhuma, ganhou R$ 2,5 milhões.
"De acordo com os recursos que tínhamos disponíveis para a preparação das seleções, cerca de 20% foi investido na disciplina de pista. Estamos falando algo em torno de R$ 330 mil ao ano. É um valor pequeno para quem quer brigar por uma vaga olímpica", reconhece Fernando Fermino, gestor de alto rendimento da CBC. Internamente na confederação outras disciplinas reclamam que a pista recebe inclusive mais do que merecia.
Sem dinheiro, os principais ciclistas brasileiros têm equipamentos defasados, como ficou claro no Pan, e viajam pouco para competições internacionais - foram entre 20 e 24 torneios no total, em quatro anos. Sem somar pontos em eventos menores, não chegam à Copa do Mundo e, consequentemente, não somam pontos para se classificar para Mundial e Olimpíada.
Enquanto isso, nas contas do governo federal, o velódromo custa R$ 410 mil ao mês entre manutenção, operação, energia elétrica, segurança e limpeza. Vale lembrar, porém, que desde o final de junho o governo não tem nenhuma equipe voltada à administração do parque olímpico, o que inclui o velódromo.
Questionada sobre o número de competições oficiais de ciclismo de pista "olímpico" realizadas no velódromo, a Secretaria Especial do Esporte informou o número total de eventos no parque (230 entre 2017 e 2019), citando que 13% deles aconteceram no velódromo. A enorme maioria desses eventos, porém, é realizado na parte central da estrutura, onde há um espaço onde costumam ser montados tatames. Na prática, o velódromo serve como ginásio para torneios locais de judô e jiu-jitsu, principalmente.
A lista de eventos de ciclismo realizados no velódromo tem apenas a etapa única do Estadual do RJ e a Copa Brasil de Pista 2017, ambas competições amadoras, e o Mundial Paraolímpico. Segundo o governo, "mais de 600 ciclistas capacitados e habilitados para usar a instalação treinaram no local".
A prova em que o Brasil mais chegou perto de conseguir vaga olímpica foi o keirin masculino, na qual ficou na 21ª colocação, principalmente graças aos pontos de João Vitor Silva, que é o 59º do ranking mundial. O Brasil também teria chances no Madison feminino, mas Daniela Lionço caiu no doping logo depois de ganhar bronze nesta prova no Campeonato Pan-Americano.
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