Formação de atletas para o futuro está em risco, diz líder dos clubes
O governo federal precisa rever sua estratégia de apoio ao esporte se quiser que o Brasil forme atletas para disputar os Jogos Olímpicos de 2024 e 2028. O alerta é de Arialdo Boscolo, presidente do conselho consultivo do Comitê Brasileiro de Clubes (CBC) e da Federação Nacional de Clubes (Fenaclubes) e, mais importante do que os cargos, historicamente a principal voz dos clubes sociais.
Acostumado a defender o interesse desse grupo junto às esferas de poder, principalmente em Brasília, Arialdo não obteve respostas quando enviou mensagem ao então secretário especial do Esporte, general Décio Brasil, pedindo uma audiência para apontar os problemas que causariam aos clubes sociais duas portarias assinadas em janeiro. Elas reduzem o auxílio pago a atletas com recursos da Lei de Incentivo ao Esporte de R$ 2,4 mil a apenas R$ 1 mil, impondo uma série de restrições e dificuldades burocráticas, como recibos de transporte e alimentação dos atletas, e apenas em dias de treinos.
A nova regra, que só vale para projetos que forem aprovados a partir de março, já serve de argumento para o Esporte Clube Pinheiros, principal clube "olímpico" do país, realizar profundos cortes de investimento no esporte, com redução de salários de atletas e contenção de despesas, como noticiou o Olhar Olímpico ontem. Boscolo atendeu a reportagem depois da publicação da reportagem.
Olhar Olímpico - A situação do Pinheiros liga o alerta do esporte brasileiro?
Arialdo Boscolo - Liga, sim, principalmente pela questão da bolsa auxílio. A maior ferramenta orçamentária do esporte é a Lei de Incentivo ao Esporte. Há dois anos a CGU (Controladoria Geral da União) vem questionando o ministério, agora secretaria, em relação à regulamentação da bolsa auxílio. Até então o valor de custeio era R$ 2,4 mil. Aí a secretaria regulamenta e limita a R$ 1 mil. Imagina que te informam que você vai ganhar só 40% do seu salário. Mais do que isso: burocratizaram totalmente o sistema. O atleta não pode usar o dinheiro dele para as necessidades dele.
E como isso impacta no clube formador?
Um clube como o Pinheiros tem um volume muito grande de militantes que vão defender o Pinheiros porque pretendem se especializar, treinar num clube que ofereça estrutura de qualidade, que ele possa ser formado. Veja, eu não estou criticando o ex-secretário Décio Brasil, mas sempre que sempre se fala muito de se realizar o esporte na escola, mas isso não é verdadeiro. Não é isso que acontece no Brasil. No máximo você tem a iniciativa do atleta de fazer a inicialização na escola, mas quem forma atleta no Brasil é o clube. Existem dificuldades orçamentárias, é normal. O governo pretende ter os clubes como ferramenta de formação ou desestimular? O que o governo fez é desesperador. Você é pego de surpresa com uma portaria com as regras pré estabelecidas.
E como os clubes estão se organizando para tentar reverter essa medida?
No primeiro momento a gente tem que entender bem esse quadro. Quando tomamos conhecimento da matéria, encaminhei uma mensagem par ao general, alertando que queríamos dialogar, mas que havia uma situação complicadora, principalmente para o próximo ciclo. Os resultados de Tóquio foram construídos no passado. Você toma atitude hoje vai refletir lá na frente. Minha intenção nesse caso era mostrar que você não consegue fazer.
E qual foi a resposta?
Não respondeu. Não tive uma resposta. E aí você depois vê o ministro saindo, depois o secretário saindo. Agora tem um novo secretário, mas ainda não fomos até ele. A gente sabe que vai haver outras mudanças, mais gente vai sair, mais gente vai entrar. A gente pretendia abrir um canal de discussão com o ministério. Quando você vê as mudanças acontecendo, você começa a ver também os primeiros sintomas negativos. Nos preocupa muito. Esperamos que o governo abra um canal de conversação para a gente refletir esse impacto.
Dá para comparar o impacto dessa medida com a MP 846, que cortou substancialmente os recursos das loterias destinados ao esporte e depois foi revista?
De certa forma sim. Principalmente nos clubes que estão mais estruturados, que dependem da Lei de Incentivo, que criaram um programa. O Pinheiros, se você comparar os números dos Jogos Pan-Americanos, é muito maior do que a maioria dos países. O impacto é muito parecido para o futuro. Você começa a cortar uma série de despesas que vão refletir no resultado.
Naquele momento os comitês olímpico e paraolímpico, os clubes, o desporto escolar, universitário, todo mundo se uniu para dissuadir o governo e mobilizar a sociedade, mostrando como a MP era ruim para o esporte. Falta organização agora para de novo mostrar o impacto da modificação na LIE?
São dois momentos politicamente muito diferentes. A gente tava num momento de um governo que havia acabado de receber um impeachment, uma mudança de ministério, o (Leonado) Picciani tinha acabado de sair do ministério. Ali sinalizou-se uma paralisação total. Hoje não acontece isso, o impacto é só nos clubes, mas é grande. No CBC a gente tem os eixos dos equipamentos, das competições e do RH, mas não o eixo apoiando o atleta, que são coisas complementares. Quando você tira uma dessas fontes, desses eixos, você acaba prejudicando todo o orçamento.
As mudanças na LIE têm parcela de responsabilidade na crise do Pinheiros, mas existe também uma vontade política do clube, dos associados, de reduzir o investimento no esporte. É um indicativo de que os ventos estão mudando nos clubes sociais, contra o esporte?
Eu vou pegar a fala do Pinheiros para falar do segmento de modo geral. Você tem vários clubes de futebol que fazem bom trabalho no esporte olímpico. Aí chega uma lei do clube empresa que esses clubes passam a não olhar mais o esporte olímpico entre suas ações. É óbvio que vai prejudicar. Já são quase sete anos que a gente está com retração na economia. Não é que os clubes estão se desinteressando. Os clubes precisam de apoio. Quanto menos apoio, maior a dificuldade.
Independente desse apoio governamental, existe um movimento de associados contra o custo do esporte?
Qual clube que não quer ver seu time disputando, ganhando? Existe interesse, mas existe um limite também. Existe um retração do investimento no esporte em todas as áreas e o governo vinha incentivando e agora está cortando. Eu sei que é um momento de dificuldade. O governo tem boas intenções, mas falta um pouco de diálogo. Ou não fazer uma coisa drástica como a bolsa auxílio. Qualquer atividade depende de ações continuadas e você não pode ficar mudando as regras do jogo. O associado não quer por mais dinheiro. Se acaba uma fonte você tem que fazer cortes.
Uma medida que atinge os clubes formadores atinge consequentemente a formação de atletas...
O governo tem interesse que os clubes continue formando atletas? Então precisa apoiar. É muito legal o trabalho da CBDE, da CBDU. Muito legal ver as Forças Armadas criarem o soldo para os atletas. Mas quem forma esses atletas? O atleta que chegou na universidade com 18 anos ele não começa ser formado aos 18. A mesma coisa o atleta militar. Você não chega com 18 anos no Exército sem ter tido estrutura de qualificação. Esse é o exemplo que sempre coloco na mesa.
O Brasil vai ter mais dificuldades de formar atletas para 2024 e 2028?
Eu não tenho dúvida. Não tenho nenhuma dúvida. Quanto menos estímulo você tiver, menor vai ser o resultado, o número de atletas a serem formados. Eu volto a repetir: o setor clubístico é importante no desenvolvimento do esporte no Brasil. O governo deveria nos reunir e fazer um debate olho no olho, tentando buscar um caminho para os clubes continuarem a formar atletas. O Brasil quer continuar incentivando os clubes a formar atletas? Então precisa ouvir o segmento e dar condições a eles.
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