Psicológico dos atletas é preocupação maior que logística de Jogos adiados
A maior preocupação dos Comitês Olímpico e Paraolímpico do Brasil com o adiamento dos Jogos de Tóquio para julho de 2021 está na saúde psicológica dos atletas. A mudança de datas gera um sem número de dores de cabeça, problemas que vão desde comida que vai passar da data de validade até a remarcação de milhares de passagens aéreas, mas nada preocupa mais os diretores esportivos de COB e CPB do que as incertezas que bagunçam a vida e a cabeça dos atletas.
"A grande atenção é o aspecto psicológico. O adiamento foi um primeiro alívio, depois da definição da data. Agora a gente entra num terceiro momento, de reorganizar uma temporada de 16 meses de trabalho, o que não é comum. Os treinadores trabalham com ciclos de 7, 8, 9 meses. Tudo isso tem um caráter psicológico, de entender um tempo ganho, não perdido. Você tenta oferecer ajuda no aspecto fisiológico, da nutrição, psicológico, que permita a ele se sentir em treinamento. Ele (atleta) começa a ter um chão e isso traz para ele uma tranquilidade que permite a ele passar por isso na sua condição de atleta", explica Jorge Bichara, que comanda a área de esporte do COB, em um debate realizado pelo UOL Esporte.
Alberto Martins, do CPB, que também participou do debate, concorda. "Nossa maior preocupação é somente física e técnica, mas psicológica. Que os atletas não se sintam abandonados em suas casas. A gente elaborou um programa de acompanhamento técnico dos atletas. Começamos com natação e atletismo, modalidades que são administradas pelo CPB, e elaboramos um programa de acompanhamento técnico desses atletas em suas residências. A gente acredita que eles não vão chegar ao final disso tudo em excelentes condições, como estavam, mas pelo menos a gente vai tentar minimizar psicologicamente e fisicamente esse impacto", diz.
A situação preocupa porque atletas de alto rendimento vivem desde pequenos dentro de uma mesma rotina de treinamento com objetivos a curto, médio ou longo prazo. A pandemia do novo coronavírus veio na reta final de uma longa preparação, exatamente quando eles estavam próximos de chegar no ápice de preparação física e técnica. No caso do atletismo e da natação paraolímpica, a paralisação das atividades aconteceu a duas semanas da seletiva.
"A cabeça deles estava preparada para uma situação de stress físico e emocional. Você tem que reprogramar tudo isso e ainda lidar com mudanças nos projetos de vida de cada um. Você entra em outro patamar de dúvidas: 'Vou renovar com meu clube? Vou mudar de clube? Vou mudar de cidade? O que acontece com minha modalidade? O que acontece no ano que vem?'", explica Bichara.
O Olhar Olímpico convidou Bichara e Alberto para um bate-papo exatamente para discutir esse futuro incerto. O que vem pela frente? A íntegra da conversa pode ser vista no vídeo. Abaixo, os principais temas abordados.
Logística
Uma Olimpíada leva sete anos para ser planejada. Quando faltam menos de quatro meses para a Cerimônia de Abertura, praticamente tudo já está, senão pronto, ao menos encaminhado. O adiamento dos Jogos de Tóquio quando faltavam apenas 129 dias para o seu início afetou toda uma complexa logística montada tanto pelo COB quanto pelo CPB. No caso do comitê olímpico, a maior parte das passagens aéreas já estavam adquiridas, num grande contrato com a Air Canada.
"Nós tivemos uma sinalização positiva, com a Air Canada já querendo rediscutir remarcação sem custo adicional para a gente. O COB já tinha feito o pagamento esse ano", conta Bichara. Outros pontos serão mais complexos de serem resolvidos. "Temos um contrato grande de alimentação, de 26 mil refeições, e talvez a gente tenha uma pequena perda nesse contrato, porque muitos dos alimentos já tinham sido adquiridos e talvez não consiga se manter".
O CPB ainda não havia comprado as passagens aéreas, o que pode se tornar um problema com a alta do dólar, mas tinha tudo planejado para fazer a aclimatação na cidade de Hamamatsu. O comitê agora discute com o governo local se o contrato firmado para 2020 poderá ser validado para 2021. "Encaminhamos a solicitação de reprogramação, ainda não recebemos resposta, mas extraoficialmente sabemos que não deveremos ter problemas. Talvez tenhamos problemas com hotel. Estamos aguardando ainda um retorno de Hamamatsu, mas como está tudo concentrado numa cidade só, a gente espera que seja mais fácil essa negociação", explica Alberto.
Para o COB a situação é um pouco mais complicada porque a aclimatação no Japão aconteceria em diversas cidades e uma delas ainda não deu certeza de que a programação poderá ser mantida. Outro problema é que o comitê tinha uma programação de enviar contêineres com equipamentos para Tóquio já em abril e havia alugado um galpão para estocá-los no Rio, perto do porto. Agora é preciso refazer as contas para descobrir se o prejuízo é menor mantendo os equipamentos no Brasil ou os enviando a Tóquio e os deixando mais de um ano estocados por lá. O material esportivo está sendo fabricado na China, pela empresa local Peak, e o COB pretende que a empresa o guarde na sua fábrica até 2021.
Quarentena
A crise causada pelo coronavírus vem impactando o esporte brasileiro há quase três meses. Com nenhum alarde, o Comitê Paraolímpico transferiu uma etapa da Copa do Mundo de Esgrima em Cadeira de Rodas do seu CT para o Ginásio do Ibirapuera, ainda em janeiro, já temendo a entrada do vírus por algum estrangeiro. Uma etapa do circuito mundial de badminton paraolímpico também foi cancelada.
Os dois comitês suspenderam as atividades dos seus centros de treinamento entre os dias 16 e 17 de março, depois de decidirem inicialmente restringir o número de atletas treinando. Naquele momento, o discurso do COI era de que eles deveriam continuar se preparando para os Jogos de Tóquio, o que criou uma dificuldade extra.
"Foi uma decisão muito dura, porque sabemos que isso iria trazer um impacto significativa. No dia que a gente fechou o COI pedia para os atletas continuarem treinando. Isso ficou muito complexo. Os atletas pensaram: 'Estão fechando nossa condição de treinamento, mas o COI manda a gente continuar treinando'. No outro dia os atletas já estavam indo para a rua e isso nos trouxe uma preocupação muito grande. Fechar o CT foi uma decisão bastante dura, mas tenho tranquilidade de dizer que foi uma decisão acertada. Nem antes, nem depois", opina Alberto, que precisou cancelar campings de diversas seleções brasileiras no Centro Paraolímpico.
O COB teve uma dificuldade extra, que era tentar repatriar atletas que estavam espalhados pelo mundo treinando e competindo. Alguns em situação mais estável, como os jogadores que defendem clubes estrangeiros e moram em outros países. Mas outros casos eram mais delicados, como dois atletas (Alison Santos e Gabriel Constantino) que continuaram treinando em Chula Vista, nos Estados Unidos.
"A gente foi acompanhando até sentir que a situação poderia se agravar. O centro fica numa região mais isolada, existiam atletas americanos, europeus, mas nós ficamos mais preocupados com a possibilidade de o centro fechar e eles terem que sair. Aí não teríamos onde colocá-los. E também com a possibilidade de interromper os voos no sentido EUA/Brasil, e resolvemos antecipar a volta deles", conta Bichara. Os dois barreiristas já estão no Brasil.
Vai ter dinheiro?
COB e CPB sobrevivem principalmente de recursos das Lei Agnelo/Piva, que transfere para o esporte parte da arrecadação das Loterias Federais. Com menos gente nas ruas e muitas casas lotéricas fechadas, é natural que a arrecadação com as apostas caia significativamente. E também, por consequência, a receita dos comitês e das confederações.
"Ao longo do tempo o COB conseguiu estabelecer uma reserva de contingência, que permite que a gente consiga manter o sistema por mais um tempo. Mas nesse momento a gente está revendo todos os planos. O COB ao longo dos anos também ocupou lacunas dentro do sistema esportivo nacional acima até da sua obrigação estatutária. Nossa obrigação é o desenvolvimento do olimpismo no país e a busca da melhor representação do Brasil nos Jogos internacionais. Esse é o nosso core, o nosso objetivo. A gente vai ter que reavaliar nossas ações para focar no nosso objetivo estatutário. Temos que manter o suporte às confederações. Nosso olhar está em reavaliar estudos para ver o que é esse colchão, entender a entrada de recursos, para que a gente mantenha o suporte às confederações e mantenha o suporte ao desempenho esportivo", explica Bichara.
Mas o problema não para por aí. Pelo contrário. Com exceção do contrato do COB com a Peak, válido até 2024, todos os contratos de patrocínio dos dois comitês vencem no final de 2020, incluindo os contratos de patrocínio da Caixa Econômica Federal ao CPB e às confederações olímpicas de ginástica e de atletismo.
Com menos dinheiro e num calendário mais curto, o CPB já sabe que não vai conseguir fazer todas as entregas prometidas. "Temos contrato com a Caixa que prevê oito eventos. Temos que ver até onde vai essa crise e como vamos repactuar isso. Vamos ter que fazer readequação, mas pensando sempre em minimizar ao máximo o impacto disso na ponta final, no atleta. Talvez tenhamos que replanejar participações em eventos que normalmente a gente participaria. Temos que realizar o circuito Caixa São Paulo. Mas será que vamos conseguir realizar dois nacionais esse ano?", questiona Alberto, sem ainda ter a resposta.
Ele admite que o fim do contrato com a Caixa antes do fim do ciclo é uma preocupação "imensa". "Perder a Caixa numa reta final de preparação é impensável. Lógico que o presidente Mizael (Conrado) tem estado em contato constante para a gente possa ter essa segurança o mais rapidamente possível. Imagino que é difícil também para a Caixa pensar algo antes que ela possa analisar o impacto disso tudo para ela", pondera.
Bichara vai além e diz que uma eventual saída da Caixa "inviabiliza" o esporte olímpico brasileiro. "A Caixa tem sido bastante ativa nas ações governamentais, fruto de um bom trabalho que fizeram lá dentro, e a gente espera que se mantenha esse suporte, essa participação, porque sem eles o sistema não tem como se manter."
Incertezas políticas
O adiamento dos Jogos de Tóquio coloca comitês e confederações em uma situação inédita. Os dirigentes que comandaram toda a organização e a preparação para a Olimpíada e a Paraolimpíada podem ser substituídos poucos meses antes do fim do ciclo. É que o COB terá eleições em novembro e o CPB em março. Principalmente no COB existe a possibilidade real de Paulo Wanderley não se reeleger, o que colocaria em risco a permanência de toda sua diretoria, inclusive de Marco La Porta, atual vice, já designado para ser Chefe de Missão, e de Jorge Bichara.
"Eu aprendi ao longo da vida que você tem que dar atenção e poder trabalhar com as cosias que estão ao alcance da sua mão. Minha responsabilidade é buscar colaborar, orientar, organizar a melhor programação possível para os eventos do COB. Já tenho muita dúvida do aspecto esportivo, já tenho muito problema, então vou ficar nesses. Prefiro deixar o cenário político no âmbito do comitê, das confederações, definirem o que é melhor", diz Bichara.
Alberto, que está em situação mais confortável no CPB com a provável reeleição de Mizael Conrado, também não pensa nisso. "O que nós temos sempre em mente é continuarmos como se nós fôssemos dar continuidade até Tóquio. Nosso planejamento é sempre visando a Paraolimpíada, independente se vamos continuar ou não. No CPB acho que as coisas politicamente são bem mais tranquilas no sentido de que o universo também é menor. Temos que fazer o melhor para os atletas chegarem na melhor forma, independente do Alberto, do Bichara."
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