Disputa por dinheiro público opõe Fla aos grandes do futebol
Até o final do ano, o Flamengo vai receber uma transferência bancária de mais de R$ 5,8 milhões para bancar profissionais de comissões técnicas de suas equipes olímpicas. O dinheiro, público, originário da Lei Agnelo/Piva, também estava disponível para clubes como São Paulo, Palmeiras, Botafogo, Fluminense e Vasco da Gama, que sequer concorreram porque não têm a documentação necessária. À espera deles, o Comitê Brasileiro de Clubes (CBC) reservou R$ 33 milhões para serem distribuídos em segunda chamada, em algum momento dos próximos quatro anos.
Assim como o Comitê Olímpico (COB), o Paraolímpico (CPB), a Confederação de Desportos Universitários (CBDU) e a de Desportos Escolares (CBDE), o CBC também recebe uma parte da arrecadação das Loterias, a parcela destinada na Lei Pelé à formação de atletas. Se o COB redistribui o dinheiro para as confederações, o CBC divide sua verba entre os clubes formadores, a partir de editais.
Há, porém, forte crítica sobre os critérios de divisão. O CBC só aceita repassar recursos para os clubes a ele filiados, que pagam mais de R$ 4 mil por mês em taxas federativas. Só os 37 clubes beneficiados pelo edital 8, cujo resultado foi publicado ontem (8), vão pagar mais de R$ 7 milhões em taxas para o CBC ao longo dos quatro anos do ciclo olímpico. Esse dinheiro, privado, não está sujeito às regras de transparência da legislação federal. É dinheiro "bom" para o caixa do CBC.
Mesmo assim, só um número restrito de clubes é aceito como associado pelo CBC. Umas das regras polêmicas é a exigência de que os clubes tenham uma sede social própria, com diversas estruturas, o que impede que associações que também formam atletas acessem os recursos. É o caso da Associação Desportiva Centro Olímpico (ADECO), de São Paulo, que tem cerca de mil atletas em 10 modalidades e é uma das principais formadoras do país.
Como a Lei Pelé só permite que clubes (entidades de prática) sejam federados, a prefeitura de São Paulo criou a ADECO, no papel uma entidade autônoma, para representar a cidade em competições. Por um contrato renovado em 2019 por mais nove anos, a ADECO é financiada pela prefeitura, com R$ 1,2 milhão ao ano, e utiliza as estruturas públicas do Centro Olímpico. E aí entra o problema. Como os ginásios, piscina, pista de atletismo, etc, não são da ADECO, ela não foi aceita como filiada ao CBC. A associação procurou a Justiça, que ontem (8) rejeitou um pedido de liminar.
É a mesma situação do Sada, que hoje é o principal formador do vôlei masculino brasileiro. O clube, que joga a Superliga com a camisa do Cruzeiro, não tem sede social e, oficialmente, funciona em um endereço empresarial. Alegando que o Sada não tem patrimônio, o CBC rejeitou sua filiação.
Já filiado, mesmo sem também ter patrimônio, o Instituto Pro-Brasil, de Brasília, de saltos ornamentais, foi inicialmente rejeitado no edital. Mas foi à Justiça, conseguiu liminar, e vai receber mais de R$ 1 milhão. Na mesma situação - filiado, mas instalado em equipamento público -, o Instituto Mangueira do Amanhã, do Rio, não tem acesso ao dinheiro.
Neste Edital 8, que tem como atrativo o pagamento à vista aos clubes para eles investirem ao longo de quatro anos, estavam disponíveis R$ 130 milhões. Mas na lista divulgada ontem o CBC destinou apenas R$ 97,7 milhões, para 37 clubes. Um novo edital, também para financiar recursos humanos, será lançado no futuro para distribuir os demais R$ 32,3 milhões, que não foram pedidos agora. Há dinheiro, faltam interessados.
Fluminense, Vasco e Corinthians chegaram a ser selecionados pelo edital 6, de 2017, equivalente a este (também para RH), mas deixaram de receber recursos quando deixaram de ter Certidão Negativa de Débito (CND). No último dia 15 de junho, o CBC publicou o extrato de rescisão dos três convênios. Pela falta dessa certidão, eles nem poderiam participar do edital. O Botafogo estaria na mesma situação. Já São Paulo, Palmeiras e Vitória não puderam participar porque não têm certidão de cumprimento da Lei Pelé, também obrigatório para recebimento de verbas públicas.
O Pinheiros é o clube mais beneficiado pelo Edital 8 do CBC e receberá R$ 9,2 milhões, dos quais R$ 3,2 milhões são como recompensa pelos resultados em competições de base organizadas pelo comitê. O Esperia, também de São Paulo, vai ficar com R$ 7 milhões, sendo R$ 1,2 milhão pelo "mérito esportivo". Na sequência aparecem Minas Tênis Clube (R$ 6,9 mi), Grêmio Náutico União (R$ 6,3 mi), Flamengo (R$ 5,8 mi), Paulistano (R$ 5,8 mi), Tijuca (R$ 5,0 milhões), Curitibano (R$ 4,5 mi), Santa Mônica (R$ 4,4 mi) e Sogipa (R$ 3,9 mi).
Sem ter do que reclamar da divisão de recursos, esses clubes controlam o CBC e garantem que as regras não mudem - afinal, os insatisfeitos sequer têm direito a voto. Na semana passada, Paulo Maciel, manda-chuva do Tijuca Tênis Clube, foi eleito como candidato único para presidir o CBC no próximo quadriênio. Atual vice-presidente, ele substitui o gaúcho Jair Pereira, do mesmo grupo político, ainda que a chapa tenha recebido o nome de "renovação". O comando prático do CBC, porém, é desde sempre de Arialdo Boscolo, hoje presidente do Conselho.
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