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Bolsonaro nomeia esposa de cartola envolvida em "farra de passagens"

Andrew Parsons com sua esposa, Marcela Parsons, e o presidente do COI Thomas Bach (à esquerda) - Chung Sung-Jun/Getty Images
Andrew Parsons com sua esposa, Marcela Parsons, e o presidente do COI Thomas Bach (à esquerda) Imagem: Chung Sung-Jun/Getty Images

11/08/2020 14h04

Post atualizado às 23h07 para inclusão de novas informações e de posicionamento do Ministério da Cidadania.

A técnica de adestramento paraolímpico Marcela Parsons é a nova (e primeira) secretária nacional do paradesporto. A pasta foi criada em maio e aguardava a nomeação de Marcela, como havia publicado o Olhar Olímpico há mais de dois meses. Ela é esposa de Andrew Parsons, presidente do Comitê Paraolímpico Internacional (IPC) e, logo, maior autoridade mundial do movimento paraolímpico.

Andrew, que foi de estagiário de jornalismo a presidente do Comitê Paraolímpico Brasileiro (CPB), chegou à presidência do IPC em 2017. A principal mancha pública na sua gestão frente ao CPB envolve exatamente a esposa. Em 2017, o UOL Esporte revelou que Marcela fez diversas viagens internacionais como primeira-dama, acompanhando Andrew, bancadas com dinheiro público. Esse tema ainda não teve um acórdão definitivo do Tribunal de Contas da União (TCU) e é tema do Processo de Tomas de Contas Especial número 021.455/2016-3.

Em outro acórdão, relativo à CBH (Confederação Brasileira de Hipismo), o TCU multou Marcela em R$ 2 mil. Ela era a responsável pela gestão de convênios da confederação com o CPB enquanto o marido dela era responsável por repassar recursos da Lei Piva à CBH e, consequentemente, à esposa.

No seu voto, o relator ministro Vital do Rego apontou duas irregularidades: "utilização de recursos públicos para viajar em classe executiva nos seguintes trechos: Paris - Brasília e Brasília - Paris, o que viola princípios da moralidade, da economicidade e da eficiência" e "gestão de recursos públicos atinentes a convênios cujo repassador dos valores e responsável pela análise final das prestações de contas é entidade presidida, à época dos fatos, por seu marido, incorrendo em conflito de interesses, com violação do princípio da impessoalidade".

A Secretaria Nacional do Paradesporto, subordinada à Secretaria Especial do Esporte, era uma ideia defendida pelo então ministro da Cidadania Osmar Terra (MDB), em aceno à primeira-dama Michelle Bolsonaro. Ela tem trabalho social junto à comunidade surda, que agora busca reconhecimento junto ao movimento paraolímpico.

No passado, os surdos rejeitaram fazer parte desse movimento e, por isso, até hoje, não existem nos Jogos Paraolímpicos competições destinadas a eles. Atualmente, os surdos têm seu próprio evento internacional, a Surdolimpíada, mas as entidades que representam o Brasil não têm financiamento federal contínuo, como as confederações olímpicas e paraolímpicas. A ideia de criar uma secretaria do paradesporto no governo federal ocuparia essa lacuna.

"No esporte paralímpico de alto rendimento, o Brasil já é uma potência. Nosso olhar, então, será mais voltado a pessoas com outros tipos de deficiência, como autistas, surdos e pessoas com deficiências intelectuais ou síndromes, de modo que elas também possam ter mais acesso ao esporte e, com isso, mais qualidade de vida", disse Marcela ao site do governo federal.

A criação da secretaria saiu do papel em 21 de maio, mas o Olhar Olímpico apurou que, antes disso, Marcela já era apresentada como nova secretária. Diretora de Adestramento Paraequestre da CBH, ela tem longo currículo na área de equoterapia. À espera da nomeação, ela foi exonerada do cargo que ocupava no governo do Distrito Federal. Era assessora da diretoria de eventos do Estádio Mané Garrincha, ainda que, na prática, atuasse como interlocutora com o movimento paraolímpico.

Pelo Twitter, o deputado federal Luiz Lima (PSL), ex-atleta olímpico e fortemente aliado ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido), criticou a nomeação. "Lamento muito que o Ministério da Cidadania não tenha percebido a importância de se nomear um atleta paralímpico para ocupar pela primeira vez o cargo de Secretário Nacional de Paradesporto. Triste o país que precisa de heróis. Pior o país que não reconhece seus heróis", reclamou.

O governo federal tem um ex-atleta paraolímpico em um cargo que, comparativamente, é inclusive mais alto do que o de Marcela. Trata-se de Cláudio Panoeiro, secretário nacional de Justiça, primeiro nadador cego a disputar uma Paraolimpíada. Ele, porém, seguiu carreira como advogado da União.

Após a publicação desta reportagem, o Ministério da Cidadania enviou nota ao blog afirmando que "o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União (TCU) recomendou a exclusão de Marcela Parsons do polo passivo do processo". "Portanto, ela não é suspeita e não responde ao processo citado", diz o governo. A nova secretária foi multada pelo acórdão de plenário 2.099/2019, disponível aqui. Não há decisão cancelando esse acórdão, ainda que, nas últimas semanas, Marcela tenha apresentado diversos novos documentos ao processo, de número 017.107/2015-6.

De acordo com o Ministério da Cidadania, as viagens de primeira classe foram legais. "Marcela Parsons acompanhou o marido, Andrew Parsons, então presidente do Comitê Paralímpico Brasileiro (CPB), em três viagens oficiais em 2015, respeitando a resolução DIREX-CPB n°. 04-2009, que permitia expressamente a emissão de passagens e o pagamento de diárias para acompanhantes do presidente ou vice-presidentes da instituição, diretriz chancelada pelo TCU até 2016".

"Também vale informar que Marcela Parsons nunca foi falsamente apresentada em ofícios como funcionária. Houve erro meramente formal. Marcela tinha dois perfis no sistema eletrônico de solicitação de passagens do CPB. Um como acompanhante/cônjuge do presidente da instituição e outro como coordenadora de Hipismo, cargo que ela efetivamente desempenhou em quatro edições dos Jogos Paralímpicos (Atenas 2004, Pequim 2008, Londres 2012 e Rio 2016)", continuou o órgão.