Opinião: Julgamento de Carol Solberg poderá ser divisor de águas no esporte
O Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD) do vôlei terá uma missão histórica ao julgar Carol Solberg pela fala contra o presidente Jair Bolsonaro (sem partido). A decisão que vier a ser tomada neste julgamento, marcado para no mais tardar a semana que vem, pode balizar o que será da liberdade de expressão no esporte daqui para frente.
Juridicamente, há lógica na decisão tomada pelo subprocurador geral Wagner Dantas de denunciar Carol, mesmo sendo ele, pessoalmente, um "advogado antifascista" que também grita "Fora, Bolsonaro". Para participar do Circuito Brasileiro de Vôlei de Praia, Carol concordou com um regulamento que a proíbe de emitir opiniões e fazer críticas.
Para Dantas, é cristalino que Carol descumpriu esse regulamento. O termo assinado por todos os jogadores também proíbe falas que prejudicam ou "denigram" (termo de cunho racista presente no documento) a imagem da CBV ou de seus patrocinadores. Caberá aos auditores entenderem se, ao gritar "fora, Bolsonaro", "sem que fosse perguntada", como lembra Dantas na denúncia, Carol afetou negativamente a CBV ou o Banco do Brasil.
Mas a discussão é ainda mais complexa e começa pela formulação do regulamento. Se os auditores entenderem que ela o descumpriu, pela "opinião", pela "crítica" ou por "denegrir", chancelarão que basta um regulamento imposto aos atletas pelas confederações para que esta os silencie não apenas em questões políticas. Se um atleta não pode dar "opinião", ele não poderia, por exemplo, criticar uma regra, ou uma decisão dos árbitros.
Há mais. Uma fala contra o presidente, por mais que descumpra o que diz o regulamento, é grave o bastante para gerar uma punição esportiva a uma atleta de 18 anos de careira exemplar? E, se por ventura o Banco do Brasil se sentir prejudicado por uma crítica ao presidente da República e retirar o patrocínio ao vôlei, caberia ao STJD culpar Carol pelo temor de uma decisão repressiva do governo?
A discussão é tão complexa e com tantos elementos do jogo político que Carol será defendida por ninguém menos que o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz, que se diz um "militante de Direitos Humanos, das causas das mulheres, dos negros" e que tem se colocado a favor do direito de expressão — curiosamente, como Dantas, que denunciou Carol.
Do outro lado está a CBV, que depende do governo federal desde a década de 1990, independentemente de quem ocupa a cadeira de presidente da entidade e do país. Claro que o temor é muito maior agora, com um presidente da República cuja base de seguidores defende que o Banco do Brasil retire seu patrocínio porque Bolsonaro foi criticado uma vez, para uma audiência insignificante na TV a cabo.
A CBV precisa que Carol seja punida de alguma forma, para que não comece uma onda de declarações políticas por parte de atletas, jogando a confederação no meio de uma briga política da qual ela quer passar longe. Isso numa dose que não seja tão dura com Carol a ponto de o octogenário Toroca, o atual presidente da CBV, correr riscos de não se reeleger no ano que vem para o cargo figurativo que ocupa — quem comanda a confederação de fato é o CEO Radamés Lattari.
Já o Banco do Brasil, que não se pronunciou oficialmente sobre o episódio, mandou uma mensagem muito clara à CBV dizendo estar triste e insatisfeito com a fala, expressando seu veemente repúdio. O banco não vai gostar nada se Carol sair impune e todos no vôlei sabem disso.
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