Conheça o coração brasileiro que é a nova estrela mundial do esqui
Foi amor a primeira vista. Uma brasileira e um norueguês, escolhidos aleatoriamente para sentarem lado a lado em um voo entre São Paulo e Miami no final dos anos 1990, trocaram olhares, conversaram longamente, e logo se tornariam pais de um menino dividido entre duas paixões. O calor do futebol brasileiro, melhor do mundo, e o frio do esqui norueguês, melhor do mundo.
A mais nova estrela dos esportes de inverno, campeão do slalom gigante na Copa do Mundo no fim de semana passado, tem nome e sobrenome de brasileiro: Lucas Pinheiro. Mas defende a bandeira do país mais tradicional das modalidades de neve, a Noruega. Ao menos por enquanto. O garoto de 20 anos já está no seu lugar no avião em direção à Olimpíada. Se algum cartola brasileiro sentar-se ao seu lado, pode dar match.
"Quando eu estou no Brasil, eu adoro esse jeito de brasileiro. É muito diferente da família norueguesa, tem mais calor, mais amor. Eu adoro. Eu sou uma pessoa que tem muito amor, sou muito amoroso. Essa é a única coisa que eu não gosto da Noruega. Quero que as pessoas sejam mais calorosas, quero encontrar pessoas, quero abraçar", explica Lucas, que fala um português inteligível, mesmo que raramente acerte as concordâncias ou os pronomes.
O vocabulário do garoto que nasceu em Oslo, onde Alessandra Pinheiro de Castro continuou morando mesmo depois de se separar do pai dele, Bjørn Braathen, não é dos mais ricos. Ele pede desculpas por não saber dizer os números em português, mas conhece a língua do coração. "O amor pelo futebol no Brasil é o melhor que eu vi no outro esporte de outro país. É tão legal!"
Como muitos garotos brasileiros, Lucas queria ser jogador de futebol. Não tem ideia de quantas horas passou assistindo, no Youtube, vídeos de Ronaldinho e Ronaldo. "Meu time preferido é a seleção brasileira", conta o esquiador, induzido pela família a torcer pelo Palmeiras, mas fã mesmo do Manchester United. Veio ao país para a Copa do Mundo, mesmo que não tivesse ingresso para nenhuma partida. Em Oslo, desfila com a camisa canarinho e o sobrenome brasileiro: Pinheiro.
Hoje em dia, festeja cada gol do compatriota Håland, mas prefere Neymar. "Håland é louco, ele faz muitos gols, mas o Neymar é coração. Adoro o jogo dele. Ele tem o joga bonito, toda essa coisas. Os meus vídeos favoritos são o Jogo Bonito, da Nike. Eu não canso de ver."
Quando criança, Lucas vinha visitar os tios e avós em Campinas e São Paulo, todo verão norueguês e todo Natal. Mas futebol, num país nórdico, só se joga em parte do ano. No inverno a neve cobre tudo e, para que o menino não deixasse de praticar esporte enquanto os campos estão fechados, o pai sugeriu que ele tentasse o esqui. Lucas topou, gostou, e aos 12 anos enviou e-mail à Confederação Brasileira de Desportos na Neve (CBDE) pedindo um uniforme do Brasil. Ganhou e usou enquanto pôde.
O hobby, porém, foi virando coisa séria e, para poder competir, Lucas deixou de vir ao Brasil no Natal. Os resultados foram aparecendo. Foi campeão nacional júnior em 2017 e ganhou duas medalhas no Mundial Júnior de 2019, na Itália. Há um ano, estreou na Copa do Mundo, o principal circuito da modalidade. No domingo, na volta abertura da temporada, ganhou a etapa de Soelen (Áustria) no Slalom Gigante, deixando para trás os medalhistas de prata e de bronze da última Olimpíada de Inverno — o atual campeão olímpico da prova se aposentou.
Quando o procurei para esta entrevista, Lucas respondeu felicíssimo pela possibilidade de contar sua história para o público brasileiro. Não sabia que sua história havia chegado tão longe — seu resultado foi contado pelo blog Brasil Zero Grau. "Quero tanto descobrir a neve para brasileiros... Eu sinto tanto amor pelo Brasil e esse esporte não tem o foco dos brasileiros. É muito legal que tenha um coração brasileiro na neve", ele festeja.
O uniforme que ganhou da confederação há oito anos ficou pequeno e o contato com a entidade não se manteve. Desde 1992, quando fez sua estreia em Jogos Olímpicos de Inverno, o Brasil mandou 12 esquiadores para a Olimpíada, a maioria atletas de dupla nacionalidade que não teriam vaga nas seleções de países europeus ou dos EUA. Lucas é um caso diferente, porque ele já é o quarto melhor norueguês no ranking mundial e, hoje, estaria classificado para a Olimpíada.
Mesmo competindo pelo país com mais tradição nos esportes de neve — a Noruega liderou o quadro de medalha dos Jogos de 2018, por exemplo —, ele não está plenamente satisfeito. "Ter patrocinadores aqui na Noruega é muito difícil. A seleção nacional pega todos os espaços do meu uniforme. Você não pode levar patrocinador na minha roupa de corrida. Aí é muito difícil de ter patrocinador", explica.
Conto para ele do exemplo de Nathalie Moellhausen, esgrimista nascida na Itália que foi campeã mundial pelo Brasil. "Por todo amor que tenho pelo Brasil, não é impossível. Os acordos de patrocínio que eu poderia fazer no Brasil seriam muito legais. Eu podia fazer um programa de treino, de esqui, com ajuda do Brasil. Quem sabe. Eu ia amar esquiar com o Brasil no coração. Eu tenho amor pelo Brasil. Não é impossível."
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