Refugiado de Camarões superou assassinato do pai e chegou ao NBB
Christine Mouaha se viu encurralada. O cunhado havia sido morto depois que o banco da família, do qual era sócio majoritário, foi à bancarrota. A dívida recaiu sobre o marido dela, sócio minoritário, também morto pelas forças policiais de Camarões. A linha sucessória do banco era, também, a lista negra do governo. Para preservar a vida dos três filhos, fugiu da África para recomeçar a vida nos Estados Unidos.
Um daqueles meninos, Adrien, o filho do meio, começa a construir uma nova história, como jogador profissional de basquete brasileiro. Há três anos morando e estudando em Campina Grande (PB), o armador de 24 anos foi inscrito como brasileiro para disputar o NBB pela Unifacisa. "Estou concluindo o processo de naturalização e em dezembro vou se oficialmente brasileiro, se Deus quiser", conta.
Adrien lembra pouco da vida em Camarões. Muito do que sabe vem dos relatos da mãe. O pai, Timoleon, foi morto em casa, pela polícia de Camarões, um país que tem o mesmo presidente desde 1982, Paul Biya. Desde 2016, a nação está em guerra civil, com a população anglófona (que fala inglês) contestando os privilégios políticos, culturais e econômicos da população francófona (francês). O agora jogador de basquete, vítima desse conflito há quase duas décadas, acompanha tudo de longe.
"Eu nem penso em voltar em Camarões. Nem quero saber se tem coisa nossa lá. Eu estou fazendo minha vida do zero. Estou batalhando pelas minhas coisas e tal. Agora eu estou acabando a faculdade, estou jogando aqui pela Unifacisa, meus planos futuros são esses", ele diz. Mas o caminho até Campina Grande e o NBB foi longo.
Recomeço nos EUA
A família de banqueiros tinha uma vida boa em Camarões até o dia que a polícia bateu à porta da casa dos pais de Adrien, começou a fazer perguntas e matou seu pai. Christine levou os filhos para os EUA, onde foram aceitos como refugiados políticos. Ela tinha contatos em Laurel, no estado de Mariland, onde fixaram residência. Mas o dinheiro era pouco.
"Era muito difícil no início. Às vezes, a gente via minha mãe chorar porque não sabia como ia fazer com a gente. A gente comia a mesma comida uns três dias, quatro dias. Era muito difícil. O governo ajudava a gente, assim que a gente começou a praticar esporte. A gente via no esporte a oportunidade de poder estudar sem ter que pagar. Foi assim que eu comecei a jogar basquete, também", lembra Adrien.
Ele inicialmente jogava beisebol, mas seus amigos eram do basquete e, pela turma, ele acabou mudando de esporte. Graças à bola laranja, conseguiu uma bolsa em uma faculdade de Miami. Estava há um ano na Flórida quando chegou o convite para se profissionalizar atuando no basquete do Equador. Não havia como recusar tal oportunidade.
"Minha mãe sofria para pagar as contas, eu tentava um jeito rápido de ser independente. Trabalhei em restaurante, no McDonald's, e quando meu amigo falou que o Equador poderia me pagar, falei: 'então eu vou'. A finalidade da vida é ganhar dinheiro", explica. Mas ele não contava com a dificuldade de adaptação à altitude do Equador. Dos 14 meses que ficou por lá, cerca de quatro permaneceu no hospital. O nariz sangrava todos os dias, mas não havia como voltar para a universidade depois de se profissionalizar.
Chegada ao Brasil
Um técnico no Equador então sugeriu que ele viesse ao Brasil. Por aqui, seria acolhido por André Brazolin, um ex-jogador de basquete que mantém um projeto social, o Instituto Brazolin, que à época jogava a segunda divisão do Campeonato Paulista. Adrien havia juntado algum dinheiro no Equador, conseguiu bancar hospedagem em São Paulo, e achou emprego em um restaurante italiano em Pinheiros. Com ele no time, o Instituto Brazolin chegou à final da segundona estadual.
Desenvolvendo a ideia de montar um time de primeiro escalão no basquete brasileiro dentro da universidade da família, o médico Diego Gadelha viu o camaronês jogando o campeonato amador de São Paulo e o convidou para reforçar a equipe da Unifacisa, que então jogava a Liga Ouro, segunda divisão nacional, e outros torneios menores. E lá foi Adrien morar no interior do Paraíba.
"Na Unifacisa eu tenho tudo. Não é só a Unifacisa, é o Eduardo Schafer (gerente da equipe) e o Diego Gadelha. Eu nunca vou esquecer eles na vida. Esses dois homens, velho... Sempre que eu preciso de algo, eu chamo Dudu ou o Diego Gadelha. O Diego é muito bom, o coração dele é muito grande. Ele já fez muita coisa para mim", agradece Adrien, pedindo para citar também a ajuda de André Brazolin, a quem vê como padrinho. "Desde que eu cheguei no Brasil ele me apoia muito. Às vezes, eu estava aqui, queria desistir da faculdade, sair daqui, voltar para São Paulo, e ele me convencia. Às vezes você precisa de pessoas na vida para te colocar no caminho."
Modelo americano
Como o Olhar Olímpico já contou, a família Gadelha tenta implementar, na Unifacisa, o modelo do basquete universitário americano. O time pertence à universidade e os atletas treinam e estudam no mesmo local. Adrien, que até então mal falava português, ingressou no curso de Sistemas de Informação.
"Eu estava jogando na Unifacisa e o Dudu falou: 'Você quer estudar? Pode estudar aqui'. E eu fui estudar, porque minha mãe falava: 'Joga seu basquete, mas quero que você estude'. Eu estou aqui, mas estudo. Meu irmão está na Itália, jogando, mas estuda. Eu fazia aula de português online, sozinho, e agora aprendi a falar e escrever", lembra o jogador, que de fato fala um português muito preciso, recheado com a gíria "velho", que ele diz "véi".
Adrien vai ser formar rápido. "Acordo de manhã, vou para a quadra, treino sozinho, vou para aula, assisto à primeira aula, volto para o treino do time, e chegou quase no fim da segunda aula. Aí eu vou para casa, descanso, a tarde chego uma hora antes do treino, treino com o time, e depois à noite tenho aula", ele explica. Na prática, é como se ele fizesse duas faculdades, uma à noite, outra de manhã. "Cheguei a ter 14 matérias ao mesmo tempo".
Quando a Unifacisa montou time para ganhar a Liga Ouro, Adrien acabou não sendo incluído na cota de estrangeiros do elenco principal. Jogava só torneios menores, como o Campeonato Paraibano. Foi assim também quando a equipe chegou à elite do NBB, na temporada passada. Agora que está prestes a se naturalizar, a comissão técnica decidiu incluí-lo no time principal.
"Eu conversei com o Filé (técnico da equipe) e ele me falou que não vou ter tempo de quadra, mas tenho que ajudar o time como eu posso. Então, para mim não é um problema. É meu primeiro time profissional, eu quero ser um jogador profissional consolidado, então tem que começar com pouco. Mesmo que for só 30 segundos, depois um minuto, eu vou sempre treinar para ficar melhor e ganhar mais tempo. Para mim nada é fácil na vida."
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