Vôlei permite 1 atleta trans por seleção. E, na prática, dificulta inclusão
A Federação Internacional de Vôlei (FIVB), presidida pelo brasileiro Ary Graça, criou pela primeira vez regras para autorizar a participação de mulheres trans em competições internacionais. Quase três anos depois de barrar a possibilidade de Tifanny chegar à seleção brasileira e informar que estava realizando estudos sobre o assunto, a FIVB alterou seu livro de regras para, na prática, dificultar a vida de atletas como a jogadora do Sesi/Bauru.
Até Tifanny aparecer na Superliga, o vôlei adotava a recomendação do Comitê Olímpico Internacional (COI), que estipula um limite de 10 nmol/L de testosterona no sangue, que precisa ser mantido por um ano antes da estreia e ao longo de toda carreira da atleta trans. Cumprindo esse requisito, Tifanny foi aceita na liga brasileira, mas, enquanto ela fazia sucesso no Brasil, a FIVB decidiu que não permitira trans em seus campeonatos até que o caso fosse melhor estudado.
A jogadora nunca foi procurada para testes médicos, e agora as novas regras não impõem qualquer padrão, como fez a World Athletics, por exemplo. As regras são subjetivas. O atleta que quiser alterar seu registro de gênero — caso de Tifanny, que antes jogou no masculino — e jogar torneios da FIVB precisa passar por uma banca, o "Comitê de Elegibilidade de Gênero", que vai dizer se a atleta teve vantagem competitiva pela mudança de gênero.
Mas não existem critérios claros. O documento lista que a FIVB pode levar com consideração "qualquer aspecto fisiológico (por exemplo, natureza da mudança, altura, peso, IMC, massa muscular), médico (por exemplo natureza e época da mudança, operação de mudança de sexo, níveis de testosterona, medições do receptor muscular, novos desenvolvimentos científicos e descobertas, etc.), esportivos (por exemplo
desempenho esportivo em ligas nacionais, posição e experiência participando de outro gênero) e quaisquer outras considerações enviadas pela jogadora ou solicitada pelo comitê".
Chama atenção a citação à "operação de mudança de sexo", algo que parecia superado na história do esporte. Em 2015, a Corte Arbitral do Esporte (CAS) decidiu que era ilegal o "teste de verificação de sexo" que a World Athletics impunha a atletas que se cogitavam serem hermafroditas. Desde então, é ponto pacífico que nenhum atleta é obrigado a dizer ou mostrar como é sua genitália.
A nova regulação da FIVB diz que o Comitê de Elegibilidade de Gênero deve ser formado por um "perito legal", um "perito médico" e e um atleta nomeado pela comissão de atletas da FIVB. Também é norma que ao menos uma pessoa seja homem e uma seja mulher. O livro de regras não define o prazo para a tomada de decisão, nem quais os procedimentos para a "perícia" — se, por exemplo, os peritos viriam ao Brasil, no caso de Tifanny. Cada seleção poderá ter apenas uma jogadora trans e cada confederação nacional segue tendo liberdade para definir suas próprias regras.
Tifanny reconhece que as regras são rígidas, mas diz entender a FIVB. "Tenho impressão que eles querem dificultar, porém tirar fraudes. Muita gente acha que é apenas um ano de hormônio e já pode ir para o feminino, ou apenas ser trans e já ir. Esquece que existem regras e essas regras só vamos alcançar com um tempo de terapia ou cirurgia", avalia a jogadora.
"Não acredito que vai ter alguma mulher trans tão cedo que tenha nível igual a uma mulher cis com todas essas regras. Até porque a única em alto nível sou eu e estou abaixo de muitas atletas cis internacionais", finaliza.
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