Documentos mostram irregularidades em compra de piso polêmico do vôlei
Quando solicitou aprovação para comparar 24 novos pisos de vôlei para serem utilizados pelos clubes da Superliga, a diretoria da Confederação Brasileira de Vôlei (CBV) disse tanto ao governo federal, que aprovou renúncia fiscal de R$ 3,1 milhões, quanto à sua assembleia, que iria adquirir o produto da marca Taraflex, a mesma utilizada nas competições oficiais da Federação Internacional de Vôlei (FIVB) e que há anos está presente nas quadras brasileiras. Não foi o que ocorreu. Os pisos entregues, que estão lesionando atletas pelo país, como a campeã olímpica Jaqueline, são de outra marca, a chinesa Enlio, que sequer entra na lista de pisos de "segunda categoria" da FIVB.
Para justificar a escolha da fornecedora às federações, aos clubes e aos atletas, a CBV alegou que uma única empresa, a Recoma, tem exclusividade no Brasil para produtos da Taraflex, o que não é verdade. Mais: a contratada sequer tem autorização para negociar tal produto. Esse contrato, firmado com dinheiro público, foi classificado como "sigiloso" e, por isso, não tem as cláusulas reveladas. Também não é público se houve licitação.
Pela Política de Compras da CBV, todos os contratos acima de R$ 2 milhões precisam ser aprovados pela assembleia, o que aconteceu em 29 de abril. Consta na ata daquela reunião que o então CEO da confederação, Radamés Lattari, hoje candidato a vice-presidente na chapa do presidente Walter Pitombo Laranjeiras, apresentou projeto "cujo objeto consiste na aquisição de 24 pisos Taraflex" para serem utilizados pelos clubes.
"Foi informado a todos que a empresa fornecedora dos respectivos pisos será a Recoma, empresa chancelada e homologada para a distribuição dos pisos Taraflex no Brasil", diz a ata, antes de relatar que a compra, por R$ 3,18 milhões, foi aprovada por unanimidade. Sem saber, atletas, clubes e federações aprovaram a troca de piso em todas as quadras do país. Do piso top de linha para um de terceiro nível, ao custo de R$ 3,1 milhões.
O site da FIVB (veja aqui) tem uma lista com os pisos aprovados. No quesito "categoria competições internacionais" constam três, todos da Taraflex, de espessuras que variam de 7,5mm a 9mmm. No item "recomendados para uso recreativo" estão outras outras oito, sendo três da Taraflex, duas da Mondoflex e outras três de outras marcas. A marca chinesa comprada pela CBV não é listada, ainda que a Recoma tenha um documento assinado pelo presidente da FIVB, o brasileiro Ary Graça, dizendo que o piso da Enlio de 7mm é "recomendado" pela federação internacional. Esse certificado vence em dezembro, no meio da Superliga.
Dinheiro público
A compra foi feita com recursos da Lei de Incentivo ao Esporte, a partir de um projeto apresentado pela CBV e aprovado, depois em junho. A reportagem questionou o Ministério da Cidadania sobre o que se tratava o projeto, sem citar no questionamento a polêmica sobre as marcas. E o Ministério informou que o projeto era para instalação de pisos da Taraflex.
"O objetivo do projeto é melhorar a infraestrutura técnica de 24 ginásios do país que receberão os jogos dos campeonatos brasileiros masculinos e femininos, organizados pela CBV, por meio da instalação de pisos sintéticos emborrachados do tipo Taraflex", informou o governo. Aliança do Brasil Seguros, Companhia de Seguros Aliança do Brasil, e Banco do Brasil, sócios da BB Seguros, doaram a totalidade dos R$ 3,18 milhões necessários.
A CBV, porém, desde o início do processo formal no Ministério da Cidadania, pretendia comprar o piso da Enlio, que são comercializados com exclusividade pela Recoma no Brasil. A assessoria de imprensa da confederação compartilhou com a reportagem e-mail enviado em maio pela Secretaria de Esporte solicitando que fosse retirado do projeto a citação à marca do piso que seria comprado: "fabricante chinesa Enlio Sports". A citação saiu, mas o produto comprado acabou sendo o mesmo.
A assessoria da CBV também compartilhou trecho do projeto que mostra que o projeto apresentado pela confederação é para a compra de um piso de 7mm, espessura do piso da chinesa Enlio, mas que não é a mesma que nenhum dos pisos aprovados para competições internacionais, todos da Taraflex.
Para cumprir a Lei de Incentivo ao Esporte, a CBV precisa enviar ao governo federal os pelo menos três orçamentos que utilizou para escolher o piso. E também precisa anexar o contrato com a Recoma, além de nota fiscal. E esses documentos, com recursos de renúncia fiscal, estão sujeitos à Lei de Acesso à Informação, disponíveis para qualquer cidadão brasileiro. Mesmo assim, a CBV não dá detalhes da contratação, alegando uma suposta cláusula de confidencialidade. O Olhar Olímpico apurou que a ACE Sports, representante da Taraflex, chegou a enviar proposta.
Quando, em 2014, a CBV foi envolvida em um escândalo de contrações supostamente irregulares, o Banco do Brasil suspendeu o contrato de patrocínio com a confederação e exigiu a criação de uma Política de Compras. Essa política regula que todos os contratos acima de R$ 50 mil sejam publicados, abrindo exceção apenas para os com cláusula de confidencialidade, que é o que a CBV alega para não expor os detalhes da aquisição de um piso que é uma ação de marketing do próprio Banco do Brasil.
Procurada, a CBV, que contratou uma empresa especializada em gerenciamento de crise, defendeu que os pisos da Enlio são "certificados e homologados pela FIVB, instância máxima do voleibol mundial, e têm todos os atributos necessários para a prática do esporte em alto nível" e disse que houve um "erro" na apresentação feita à assembleia.
"O termo 'Piso Taraflex' foi utilizado de maneira equivocada porque é a forma como o tipo de piso é conhecida no mundo esportivo. Na oportunidade, o CEO licenciado, Radamés Lattari, não se referiu à marca, uma vez que o convênio firmado com o Ministério da Cidadania é claro quanto à aquisição de produtos da Enlio, por meio da Recoma. A Recoma, como se sabe, não é representante dos pisos Taraflex no Brasil. A CBV lamenta o erro e pretende corrigir o problema de comunicação com os membros da assembleia geral", comentou a confederação.
O novo piso, tido como de qualidade inferior, é obrigatório em todos os jogos da Superliga. Os atletas têm reclamado muito dele, principalmente por não escorregar, em circunstâncias normais, e escorregar demais, quando úmido. "A outra quadra era tão boa, ninguém nunca reclamou. Por que vai mudar de uma hora para outra? Já vi algumas jogadoras se machucarem, escorregarem assim", reclamou Jaqueline, no Instagram. A "outra quadra" é a da Taraflex.
A iniciativa é uma ação de marketing do Banco do Brasil, que passou a ter a identidade visual das quadras, que têm o mesmo amarelo e o mesmo azul da logomarca do banco. Os jogadores também reclamam que o amarelo os impede de ver onde a quadra está molhada, o que atrapalha sua secagem e aumenta as chances de lesões.
Em nota, a CBV explicou que o projeto de modernização das quadras da Superliga é de sua "exclusiva responsabilidade", isentando o Banco do Brasil. "O plano de marketing foi desenvolvido internamente pela confederação e também oferecido a outras empresas. Durante a negociação, o Banco do Brasil jamais fez qualquer exigência a respeito de cores, tipo ou marca dos novos pisos. Como acontece nos últimos 30 anos, nosso parceiro entendeu que deveria patrocinar este projeto para seguir fomentando o desenvolvimento da modalidade no país", destacou a confederação.
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