Topo

Olhar Olímpico

MP investiga secretaria em SP após proposta mais alta vencer 6 editais

Placa da Seme - Esportividade/cortesia
Placa da Seme Imagem: Esportividade/cortesia

27/11/2020 04h00

O Ministério Público de São Paulo instaurou dois inquéritos para apurar supostas irregularidades em pregões eletrônicos realizados durante a pandemia pela Secretaria Municipal de Esporte de São Paulo (Seme) na gestão Bruno Covas (PSDB). Após Maurício Bezerra Landim, indicado pelo Progressistas (antigo PP), assumir a pasta, há quase um ano, a Seme lançou sete editais para substituir os 12 contratos de prestação de serviços contínuos então vigentes nas áreas de limpeza, monitoramento aquático e segurança, firmados em diferentes momentos entre 2014 e 2019 e com cláusulas de renovação anual.

Em seis deles, a empresa vencedora foi a que deu o lance mais alto — num pregão, o contratante, no caso a prefeitura, busca quem cobre o menor valor possível. No sétimo, a empresa vencedora foi a que deu o segundo lance mais alto. Em todos eles, a mesma pregoeira, Fernanda Rodgerio Costa, desclassificou as primeiras colocadas, inclusive empresas que há anos têm contatos com a secretaria.

De acordo com denúncia anônima investigada pelo MP-SP, um diretor da secretaria, fiscal dos contratos suspeitos, teria indicado um intermediário para cobrar "vantagem financeira" das empresas prestadoras de serviço — a portaria que anuncia a investigação não dá detalhes sobre a "vantagem financeira". Os novos contratos, que somam R$ 6 milhões ao mês, são mais onerosos aos cofres públicos do que os que a Seme rescindiu ou pretende rescindir.

Um único pregão teve 17 desclassificações, vencendo a 18ª e pior oferta. No único caso em que essa lógica não prevaleceu, a prefeitura optou por não contratar a empresa vencedora e realizar uma contratação emergencial. Fernanda Rodgerio ocupa cargo comissionado, nomeada por Maurício Landim.

Procurada, a prefeitura não informou quanto pretende economizar, ou gastar a mais, com os novos contratos e alegou que "a maioria dos contratos existentes não pode ser prorrogada pois prazos de vigência já haviam ultrapassado o período legal de 5 anos previsto pela legislação". Na verdade, apenas três contratos estavam nessa situação. A pasta nega qualquer irregularidade nos pregões - leia a íntegra da nota ao final da reportagem.

Maiores preços são contratados

No pregão 13/2020, por exemplo, para serviços de limpeza sede da Seme, oito empresas foram desclassificadas pela pregoeira Fernanda Rodgerio até a declaração da vencedora, a AT & Santos Consultoria, que deu o pior lance final. Entre as desclassificadas estava a L.A.S Serviços de Limpeza, que pertence à filha do proprietário da AT & Santos, Adalberto Tabajara dos Santos.

Quando a Paineiras Limpeza e Serviços Gerais foi desclassificada sob o argumento de que "as planilhas contêm erros na sua composição de custo", questionou: "Bom dia, senhora pregoeira. Cumprimos todo o previsto. Poderia nos apontar mais claramente quais benefícios foram inconsistentes e quais erros de planilhas encontrados?". Não obteve resposta — os diálogos constam em ata. A desclassificação foi sumária.

A Higienix, que então fazia esse serviço para a Seme, foi desclassificada porque as planilhas, no entender da pregoeira, tinham "itens em desconformidade com a legislação vigente". A empresa questionou quais itens não haviam sido cumpridos e também não teve resposta. Acabou desclassificada e, depois, teve o contrato rescindido unilateralmente pela Seme. Ela recebia R$ 1 milhão a cada 12 meses. O novo contrato com a AT & Souza custará R$ 2,23 milhões ao ano aos cofres públicos, R$ 450 mil a mais do que a melhor oferta do pregão.

Maurício Landim, secretário de esporte em São Paulo - Divulgação - Divulgação
Imagem: Divulgação

A acusação do MP

O pregão vencido pela AT & Santos aconteceu em julho, quando a Promotoria de Patrimônio Público de São Paulo já havia recebido denúncia anônima questionando a atuação da secretaria em outros dois pregões eletrônicos. Na portaria em que instaurou o inquérito, o promotor Paulo Destro justificou que busca investigar "suposta prática de ato de improbidade administrativa por Waldir Martani Maia, diretor da Seme, que, por intermédio de Jhone Borges de Oliveira, teria agido para direcionar licitações do órgão, em especial os pregões 07 e 08 de 2020".

A portaria de abertura do inquérito relata da seguinte forma a denúncia: "Waldir Martani foi nomeado diretor (do Departamento de Gestão de Equipamentos Esportivos) da Seme e, ao assumir, solicitou que fosse informado de todos os contratos firmados pela Seme. A partir disso, (Waldir) teria contatado todas as empresas contratadas, através do senhor Jhone Borges de Oliveira. Por sua vez, Jhone Borges de Oliveira se encontrava com os representantes legais das empresas e teria solicitado vantagem financeira em decorrência da relação contratual com a Seme".

O outro inquérito, aberto em outubro, diz respeito aos mesmos pregões, mas a denúncia foi apresentada pela Higienix, que noticiou, segundo o MP, "possível conduta irregular praticada pela pregoeira Fernanda Rodgerio Costa". O MP solicitou informações preliminares à pregoeira e à Seme, mas também não recebeu resposta, optando assim pela abertura de inquérito. A Higienix também acionou o TCM e abriu um processo na 1ª Vara de Fazenda Pública contra a pregoeira e a prefeitura.

Concorrentes questionam atitudes da pregoeira

A mesma A&T Santos também ganhou o pregão 018/2020 da Seme, também para serviços de limpeza, novamente fazendo a oferta mais alta e se beneficiando da desclassificação de nove concorrentes. "Como é possível analisar uma planilha de mais de 10 páginas em 19 minutos e falar que está errado sem apresentar a justificativa de cada erro? Isso é um absurdo", reclamou a Construtora Mota & Rodrigues, que fez a menor proposta, ao ser desclassificada pela pregoeira.

O representante da Lyncra Limpeza e Serviços Gerais foi além, avisando a pregoeira: "A Seme terá o contrato mais caro de limpeza do país". Mesmo assim, a pregoeira validou a proposta da A&T Santos, que em cada um dos quatro itens do pregão era pelo menos 30% mais cara que a segunda pior proposta. Pelo contrato, vai receber R$ 995 mil mensais. Um total de 11,9 milhões em um ano.

Este contrato já foi objeto de reportagem no canal de notícias CNN Brasil. De acordo com a emissora, o custo por mês aos cofres públicos é mais de três vezes o valor pago atualmente e a Seme tinha a opção de renovar os contratos por mais três anos. Um desses acordos, agora rescindido, é com a Paineiras Limpeza e Serviços Gerais, uma das desclassificadas no pregão, que prestava praticamente o mesmo serviço.

A Paineiras foi a vencedora do terceiro e último dos pregões para substituição dos contratos de limpeza, realizado no último dia 3 de novembro. Mas a Seme optou por não levar a cabo esse pregão, contratando a Port Fort para fazer o serviço com um contrato emergencial.

Business intelligence

Os editais para substituir os contratos de segurança, limpeza e monitoramento aquático da Seme têm como ponto comum a exigência de "relatórios de business intelligence". Empresas ouvidas pelo UOL relataram dificuldade de entender o conceito, que não era exigido anteriormente. Os editais falam de um controle de pessoal a partir de geolocalização pelo celular.

No pregão de número 07/2020, um dos investigados pelo MP, as oito empresas com preços finais mais baixos foram desclassificadas. Uma, porque não se submeteu à "prova técnica" do tal software. Outra, porque não foi aprovada nessa "prova". Concorrentes também foram derrubadas por causa dos "relatórios de business intelligence" no pregão 08/2020.

A Arcolimp venceu três dos quatros lotes de um dos pregões e o lote único do outro, apesar de ter apresentado o pior preço em todas as concorrências. Pelo serviço de salva-vidas, vai receber R$ 958 mil mensais, quase o dobro do contrato atual — o novo acordo ainda não começou a valer, porque está sendo contestado pelo TCM.

Dezessete desclassificados

O recorde de desclassificações aconteceu no pregão 19/2020, em setembro, para contratação de serviço de segurança privada na sede da Seme. Dezessete empresas foram desclassificadas, sendo mais de uma delas por erro de planilha, até que aquela que pediu o maior valor, a Lions Segurança, foi declarada vencedora, com um contrato de R$ 2,18 milhões.

Mais uma vez, muitas queixas, com direito a seis pedidos de recursos, todos negados pela pregoeira: "Engraçado que no último pregão, com esta mesma equipe, o fornecedor vencedor utilizou dos mesmos índices e foram habilitados", comentou a Seg Life. "É a mesma planilha do último pregão, não tem sentido ser desclassificado", reclamou a Jumper.

A Jumper, no caso, havia sido a vencedora de um pregão semelhante, o 12/2020, realizado dois meses antes, em julho. Neste pregão foram oito empresas desclassificadas até que a Jumper, que ofereceu o maior preço, fosse declarada vencedora, com uma proposta de R$ 2,95 milhões mensais. Também este pregão aparece como em "análise de recurso".

Outro lado

Confira, na íntegra, a nota enviada pela prefeitura:

A Secretaria Municipal de Esportes (SEME) informa que a maioria dos contratos existentes não pode ser prorrogada pois prazos de vigência já haviam ultrapassado o período legal de 5 anos previsto pela legislação.

No caso dos seguintes contratos de prestação de serviços de limpeza e de vigilância: Contrato nº 055/SEME/2014 com a Paineiras Limpeza e Serviços Gerais Ltda., Contrato nº 056/SEME/2014 com a CleanMax Serviços Ltda., e Contrato nº 058/SEME/2014 com Atento São Paulo Serviços de Segurança Patrimonial Eirelli, tiveram os seus prazos de vigência, somados à prorrogação excepcional, esgotados no ano de 2019, razão pela qual foram substituídos, para dar continuidade à prestação dos serviços. A paralisação ocasionaria prejuízos à administração pública e, por outro lado, nos contratos remanescentes há previsão contratual de cláusula resolutiva de prorrogação.

Todos os editais dos Pregões elaborados e lançados pela Secretaria Municipal de Esportes e Lazer seguiram à risca a legislação aplicável, mais especificamente a Lei nº 8.666/93 e a Lei nº 10.520/2002, tendo inclusive passado pelo crivo da Procuradoria do Município de São Paulo e também dos agentes de fiscalização do Tribunal de Contas do Município, que atestaram a regularidade e a legalidade de diversos editais.

A SEME atua preventivamente para evitar eventuais irregularidades em seus pegões. Os editais são analisados pela Procuradoria Geral do Município. Empresas que questionam o tema tiveram seus pedidos indeferidos pela Justiça.

Os contratos em questão e suas respectivas substituições, em todas as áreas, seguem as diretrizes do CADTERC para as contratações, como referencial de valores, somente sendo aprovados após regular processo e a pesquisa de mercado realizada pela repartição competente.

A SEME informa que cumpre rigorosamente todos os seus procedimentos licitatórios e demais trâmites que envolvem a habilitação de empresas que participam dos seus pregões. Em relação aos preços, tal critério nem sempre é o que se mostra mais satisfatório ao interesse público pelas questões que envolvem as propostas, como a garantia da execução, qualidade do serviço prestado e capacidade da empresa em honrar seus contratos.

Todas as desclassificações de empresas decorrentes dos pregões ocorreram por algum problema na formulação das respectivas propostas ou em razão da apresentação incompleta da documentação exigida, sendo certo que todos os atos administrativos foram amplamente motivados.

A SEME esclarece que alguns dos contratos, por exemplo, limpeza, tiveram a metodologia de formulação de preços alterada, por imposição das normas que regem as contratações e o CADTERC. Passaram a ser orçados e contratados com base na metragem dos Centros Esportivos e, não mais por equipes de funcionários.