Agora é lei: EUA podem prender quem se dopar em qualquer lugar do mundo
O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, assinou ontem (4) a Lei Rodchenkov, formulada pelo russo que é tratado como o delator do esquema de doping da Rússia. A partir de agora, os Estados Unidos podem processar e condenar criminalmente, colocando na cadeia qualquer atleta ou organização que cometer infrações antidoping em eventos com a presença norte-americana, seja pela participação de atletas dos EUA ou de patrocinadores. A regra vale para atletas de qualquer lugar do mundo, menos para as ligas profissionais como a NFL, a NBA e a MLB, que são mundialmente criticadas serem complacentes com o doping.
A Lei Rodchenkov havia sido aprovada por unanimidade tanto na Câmara quando no Senado dos Estados Unidos, apesar dos crescentes apelos da comunidade internacional explicando que uma medida assim derrubaria toda a ordenação jurídica do combate ao doping mundial. O presidente Trump, porém, não hesitou em sancioná-la.
A lei faz referência ao ex-diretor do laboratório antidoping russo Grigory Rodchenkov, delator do esquema que funciona na Rússia, e que hoje vive em local desconhecido nos Estados Unidos. Ele é mundialmente conhecido por ser o protagonista do documentário Ícaro, Oscar de melhor documentário de 2018.
Quando o projeto estava para ser votado no Senado, a Agência Mundial Antidoping (Wada), que disse, em comunicado, que "continua preocupada que, ao exercer unilateralmente a jurisdição criminal dos Estados Unidos sobre todas as atividades globais de doping, a lei provavelmente prejudicará o esporte limpo, colocando em risco parcerias essenciais e a cooperação entre as nações". Pela lei, atletas do mundo todo podem ser presos pelos EUA, exceto os das grandes ligas do país, que seguem submetidos apenas às regras próprias dessas ligas, que não são signatárias do Código Mundial Antidoping e têm punições bem mais brandas.
No comunicado distribuído quando o projeto chegou às mãos de Trump, a Wada explicou por que a lei é perigosa, ainda que tenha nascido de boas intenções, porque sua 'extraterritorialidade irá minar o luta contra o doping em todo o mundo". "Nenhuma nação jamais declarou jurisdição criminal sobre crimes de doping que ocorreram fora de suas fronteiras nacionais, e por um bom motivo. É provável que leve à sobreposição de leis em diferentes jurisdições que comprometerão a existência de um único conjunto de regras antidopagem para todos os esportes e todas as Organizações Antidopagem de acordo com o Código Mundial Antidopagem. Isso terá consequências negativas, uma vez que a harmonização das regras está no cerne do sistema antidopagem global", continua a Wada.
A agência lembrou que outros países vão se sentir na liberdade de também aprovarem leis que poderiam levar atletas norte-americanos à prisão. "Esta lei pode levar outras nações a adotar legislação semelhante, sujeitando assim os cidadãos dos EUA e entidades esportivas a jurisdições extraterritoriais e sanções criminais semelhantes, muitas das quais podem ser de natureza política ou impostas para discriminar nacionalidades específicas. Isso será prejudicial para os esforços antidoping em todos os lugares, incluindo nos EUA", afirma a agência internacional.
Pelo projeto, as agências norte-americanas passariam a ter poder legal de denunciar atletas dopados para a Justiça, em mecanismo semelhante ao que levou às prisões americanas alguns dos principais dirigentes do futebol sul-americano, incluindo o brasileiro José Maria Marin.
Ainda que seus crimes não tenham sido cometidos nos Estados Unidos, seus atos prejudicaram empresas norte-americanas e, por isso, entraram na jurisprudência da Justiça daquele país. O mesmo princípio seria aplicado no doping: um atleta que se dopar e competir contra um norte-americano poderia ser julgado pelos EUA e condenado à prisão em solo norte-americano, correndo o risco de ser deportado por países com quem os EUA têm acordo de extradição.
Mesmo eventos sem a participação dos Estados Unidos poderiam ser prejudicados, caso empresas norte-americanas sejam patrocinadoras ou mesmo proprietárias de direitos de transmissão dessas competições, como os Jogos Asiáticos ou uma Copa do Mundo para a qual a seleção norte-americana não se classificar, por exemplo.
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