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Vôlei tem racha e troca de acusações antes de primeira eleição em 45 anos

Marco Túlio, da oposição da CBV, e Toroca, atual presidente - Divulgação
Marco Túlio, da oposição da CBV, e Toroca, atual presidente Imagem: Divulgação

07/01/2021 12h51

O vôlei brasileiro viu muita coisa nos últimos 45 anos: cinco ouros olímpicos na quadra, o vôlei de praia se tornar esporte olímpico e render 13 medalhas ao Brasil, a ascensão e a queda de Carlos Arthur Nuzman e Ary Graça chegar ao comando da Federação Internacional de Vôlei (FIVB). O que ninguém havia visto, até aqui, era uma votação para o comando da Confederação Brasileira de Vôlei (CBV). A eleição acontece no domingo (10).

Desde que Nuzman chegou ao poder na CBV, em 1975, a confederação só teve outros dois presidentes. Walter Pitombo Laranjeiras, o Toroca, vice que herdou mandato em 1995 quando Nuzman rumou para o COB, e Ary Graça Filho, de 1997 até 2014. Quando Ary foi para a FIVB, Toroca, mais uma vez vice, voltou a ser presidente. Todas as eleições foram por aclamação.

Agora, pela primeira vez, há um racha evidenciado nesse processo eleitoral. De um lado o ausente Toroca, 87, concorrendo a uma reeleição que, em tese, pode deixar a CBV sem acesso a recursos públicos — governo federal entende que essa reeleição fere a Lei Pelé. Com ele, todo o grupo próximo a Radamés Lattari, seu vice na chapa. Do outro lado, Marco Túlio Teixeira, amigo e aliado de primeira hora de Ary Graça. O presidente da FIVB deixou a etiqueta política de lado e está trabalhando intensamente pelo seu candidato, que tem Serginho Escadinha como vice.

É briga de gente grande por um orçamento enorme para os padrões do esporte brasileiro. Além de chefiar quase 100 funcionários, o presidente da CBV controla recursos de, pelo menos, R$ 80 milhões ao ano. Somadas, as confederações de basquete, atletismo, natação e judô não chegam a isso.

Além disso, sabe-se agora que o presidente da CBV recebe pelo menos dois salários. Ganha R$ 22 mil (teto admitido com recursos públicos) pelo cargo na confederação e o mesmo valor como presidente do braço social da CBV, a ONG Viva Vôlei, que tem outro CNPJ. A oposição afirma existir um terceiro salário da Universidade de Vôlei, braço educacional da confederação, que também tem CNPJ diferente. A situação nega o terceiro salário, mas confirma o segundo.

Racha começou em 2014

O grupo que comandava o vôlei brasileiro começou a rachar em 2014, quando a ESPN publicou a série de reportagens Dossiê Vôlei. Entre as muitas denúncias, mostrou que duas empresas de pessoas ligadas a Ary Graça receberam R$ 10 milhões cada por supostamente intermediar contratos de patrocínio com o Banco do Brasil. Porém, segundo a estatal, as negociações aconteciam diretamente entre a confederação e o banco.

Naquele momento, Ary Graça, eleito em 2012 para comandar a FIVB, estava afastado da CBV. Em março de 2014, após as denúncias se tornarem públicas, ele renunciou à presidência da confederação brasileira, e Toroca, então vice, assumiu o cargo definitivamente. Seus aliados, contudo, permaneceram na diretoria da entidade. Entre eles, Marco Túlio, que havia chegado à CBV como indicação de Nuzman.

Pressionado pelo Banco do Brasil, que exigiu providências para não rescindir o contrato de patrocínio, Toroca adotou várias atitudes que desagradaram Ary Graça, que se tornou adversário do grupo que passou a comandar a CBV. Em 2014 mesmo, Bernardinho foi suspenso pela FIVB por uma confusão no Campeonato Mundial e disse que estava sendo retaliado por Ary. Os dois até hoje se odeiam.

Conflito de ex-amigos

Aquelas cicatrizes não fecharam. Pelo contrário, mais de seis anos depois, seguem abertas. "O Ary tem as diferenças dele com várias pessoas. Sobre o que aconteceu no passado, cada um tem sua versão. Falei com ele quando inscrevemos a chapa, e foi a última vez. Disse que preferia não conversar sobre isso com ele", garante Túlio, que é membro do Conselho de Administração da FIVB, presidente da Federação Sul-Americana e, admite, bastante amigo de Ary Graça.

É pouco usual que dirigentes de entidades de nível mundial assumam tão claramente um lado em eleições de confederações nacionais. Ninguém imagina o presidente da Fifa ligando para o presidente da federação de futebol do Espírito Santo para pedir voto na eleição da CBF. Mas é isso que está acontecendo no vôlei. Ary Graça está empenhado a favor de Túlio, que ainda é azarão na corrida.

Precursor no vôlei de praia, Túlio é advogado e economista e, juntamente com familiares, um dos sócios do Grupo Roma, proprietário de uma rede de concessionárias forte no Rio e em Minas. Ele fez uma articulação de última hora com Serginho, que queria ser candidato a presidente, e conseguiu apoio das federações de São Paulo e Minas Gerais, as duas com mais clubes profissionais no país.

Do outro lado, Toroca é o candidato a presidente, mas quem fala pela chapa é o vice Radamés Lattari, ex-técnico da seleção, funcionário da CBV desde 2014 e CEO da entidade até o fim do ano passado, quando pediu afastamento para disputar a eleição. Onze vezes presidente do CRB, tradicional clube alagoano, Toroca é, segundo o vice, quem "sempre teve voto". "Mesmo na época do Nuzman ou do Ary Graça, era o Toroca quem tinha voto. Ele sempre teve essa capacidade de agregar".

O atual presidente não dá entrevistas, raramente é visto em eventos (muitos jogadores não sabem se ele é alto ou baixo) e, integrante do grupo de risco da covid-19, está, segundo Radamés, mantendo o isolamento em Alagoas. Toroca tem boa relação com presidentes de federações estaduais menores e, por isso, é considerado favorito no pleito.

Atletas devem decidir

Quando abriu sua eleição à participação de atletas, a CBV adotou um modelo particular. Votam dois representantes de cada federação estadual (54, no total), dois atletas de quadra, dois de areia, e oito medalhistas olímpicos escolhidos por seus pares. Mesmo no sistema de pesos, os votos desses representantes estaduais, somados, têm quase o dobro de força que de todos os demais atletas.

Esse modelo, em tese, dá menos poder aos profissionais, que se concentram em poucos estados, e mais aos amadores, principalmente do Norte, Nordeste e Centro-Oeste, onde Toroca é mais forte. Os profissionais já escolheram o lado. A comissão de jogadores de vôlei de quadra ouviu 371 atletas das Superligas Masculina e Feminina e 94% defenderam o voto em Túlio. Só 3% preferem Toroca, que falhou em aplicar o fairplay financeiro na Superliga — a Comissão de Atletas inteira renunciou em protesto —, e ao manter o criticado ranking de atletas da competição.

Há criticas administrativas, também. Por exemplo: a CBV se comprometeu a pagar, até 2023, R$ 2,7 milhões como rescisão contratual a um único funcionário, demitido em 2018. De acordo com a confederação, o valor seria relativo ao que ele teria de receber pela intermediação de contratos de patrocínio. Curiosamente, mesmo tipo de pagamento que atingiu duramente o grupo que hoje é oposição.

Eleição contestada

A eleição será domingo e, pelo estatuto proposto pela atual gestão e aprovado em assembleia, os votos são abertos, começando pelas federações, em ordem alfabética. No entender da oposição, isso daria vantagem a Toroca, pela menor probabilidade de traições no grupo dele, majoritário, e porque o atual presidente deve largar na frente com votos de Acre, Alagoas, Amapá, Amazonas, etc.

Uma ação na Justiça Comum, impetrada pelas federações que apoiam Túlio, contesta o processo eleitoral e pede a impugnação da chapa de Toroca. A razão é um tema já levantado pelo Olhar Olímpico: o risco de a CBV ficar sem acesso a recursos públicos.

Em abril de 2014, passaram a valer dois artigos da Lei Pelé que condicionam a possibilidade de uma entidade esportiva receber recursos públicos ao cumprimento de vários critérios, entre eles o limite de uma reeleição. Toroca, que assumiu em março de 2014, já foi reeleito em abril de 2017 - matéria publicada no site da CBV na época tem o título: "Walter Pitombo Laranjeiras é reeleito".

A Secretaria Especial do Esporte, que certifica o cumprimento das exigências da Lei Pelé pelas entidades, questionou a Advocacia Geral da União se quem já estava no poder em abril de 2014 poderia se reeleger mais uma ou duas vezes. A AGU respondeu que somente uma reeleição é permitida pela lei. Por isso, a Secretaria já informou que vai retirar a certificação de entidades que elegerem de novo dirigentes nessa situação.

Para a oposição, é o caso de Toroca. Nesse entendimento, a confederação perderia a certificação e ficaria proibida de receber verbas da Lei Piva, da Lei de Incentivo ao Esporte e do patrocínio do Banco do Brasil (o contrato vence em abril, mas tende a ser renovado). A situação refuta, afirmando que a interpretação da AGU (e, logo, da secretaria) é equivocada; a lei permitira mais duas eleições. Além disso, consideram que Toroca foi eleito somente uma vez, em 2017, e, portanto, seria "reeleito" pela primeira vez agora.

O boato que circula pela boca da oposição é que, se Toroca vencer e a CBV for impedida de receber recursos públicos, ele renunciaria abrindo caminho para Radamés virar presidente e o filho de Toroca, que tem o mesmo nome do pai, se tornar CEO. Radamés nega com veemência essa possibilidade. "Chance zero", diz. Da mesma forma, Túlio nega que, se chegar ao poder, abrirá as portas da CBV de novo para Ary Graça, como acusam seus adversários. "Não tenho dependência. Somos nós dois, o Escada e eu, que vamos cuidar de tudo."