Felipe Bardi: de campeão mundial escolar a homem mais rápido do Brasil
Em tese, a edição de 2020 do Troféu Brasil de Atletismo foi disputada sem torcida, em dezembro. Mas, na prática, o entorno da pista do Centro Olímpico de São Paulo parecia arquibancada quando Felipe Bardi venceu a segunda bateria semifinal dos 100m rasos. Gritos, assobios, aplausos. De todos os lados: companheiros, treinadores e até adversários. Aos 22 anos, o garoto que já foi o estudante mais rápido do mundo havia, enfim, chegado ao posto de mais rápido do país entre os adultos, líder do ranking nacional.
Joia do atletismo brasileiro, Bardi vem sendo lapidado desde pequeno, quando era um estudante da EMEF Florestan Fernandes, em Americana, no interior de São Paulo. Destaque nas provas de velocidade, treinando em uma pista da cidade, foi convidado para estudar no Sesi de Piracicaba, cidade próxima, onde virou exemplo prático daquela que parece ser a utopia do esporte brasileiro: a formação do atleta dentro da escola.
"Eu comecei a treinar porque uma professora da escola achou que eu era rápido e levava jeito para correr. Comecei brincando, era bem lúdico. Quando entrei no ensino médio, começaram as competições. Graças ao meu técnico Darci (Ferreira da Silva), fui para o Brasileiro em Recife, ganhei a prova, e fui convocado para o Mundial Escolar, que seria na China", lembra Bardi. E foi do outro lado do mundo, em Wuhan (a cidade onde depois nasceria o coronavírus), que ele foi campeão mundial escolar dos 200m pelo Sesi, aos 16 anos.
Começava ali a expectativa pelo que Bardi poderia se tornar quando adulto, mas não só ele. Outros dois garotos nascidos em 1998 já vinham se destacando na base: o capixaba Paulo André Camilo e o carioca Derick de Souza Silva, que se acostumaram a vencer atletas três, quatro anos mais velhos. "A gente se tornou amigo. Estamos competindo há não sei quanto tempo. São uns 10, 12 anos anos que a gente se conhece. Então quando eu fiquei um tempo fora, eles me deram força para voltar".
É que quando essa garotada chegou à seleção adulta, Bardi ficou para trás. Em 2018 o atleta do Sesi sofreu uma lesão no púbis, exatamente no ano em que cinco brasileiros correram abaixo de 10s15, o que fez a imprensa passar a discutir mais a sério quem seria o primeiro atleta do país a atingir a casa de 9 segundos. Na lista de favoritos, quase ninguém colocou Bardi, que também ficou fora da equipe que disputou - e ganhou ouro - no Mundial de Revezamentos de 2019.
A pandemia do coronavírus botou o mundo de cabeça para baixo, obrigou todo mundo a ficar em casa, sem treinar, e quando as competições de atletismo voltaram, no final do ano passado, Bardi surpreendeu. Enquanto todos olhavam para Paulo André, ele venceu o GP Brasil, meeting internacional realizado em São Paulo: 10s25 x 10s30. O capixaba ficou mordido e deixou o troco para o Troféu Brasil, dali alguns dias, na mesma pista recém-inaugurada do Centro Olímpico.
Paulo André correu a primeira série semifinal em 10s12 e pouca gente fez barulho. Bardi largou na semifinal seguinte, marcou 10s11, e gerou uma festa entre os "torcedores". "Foi um momento sem palavras. Eu acho que eu estava muito feliz e coloquei para fora, gritei e tal, mas foi algo que veio de dentro. E a torcida gritando meu nome foi uma coisa fantástica."
Rivalidade e provocação na busca pelos "9s"
A festa para Bardi foi também uma crítica a Paulo André, tido por alguns presentes como "marrento". E, por isso, a final do Troféu Brasil, duas horas depois, ganhou ainda mais importância. Com os dois correndo lado a lado, Paulo André levou a melhor: 10s13 a 10s18. O vencedor não se segurou. Botou o dedo na boca, pedindo "silêncio" a quem aparecesse pela frente e avisando, em voz bem alta, que o campeão era ele.
Paulo André havia sentido o golpe, menos da derrota na semifinal, mais da reação da torcida. "No GP eu já senti um pouco de energia negativa, mas levei na boa. Durante a semana ouvi umas coisas meio negativas. Aí eu corri a semifinal bem e quando ele correu bem, todo mundo: caraca, ele correu mais que o Paulo André e o Paulo André se lascou", contou Paulo André depois daquela prova.
Manteve as provocações no Instagram e passou a ser chamado de "desumilde". Passou a noite sem dormir, porque, segundo ele, não quer ser o vilão, quer ser o ídolo do atletismo brasileiro. Precisou repensar. Encerrada a competição, conversou com Bardi, para explicar que o pedido de silêncio não foi para o adversário e o amigo.
"Já até falei, a gente não tem nada. Ele tem as coisas dele, alguma pressão. Eu acho que não tem nada a ver (brigar). Ele fez o que ele fez, mas não foi para mim, até porque eu fui para outro lugar, não tinha visto. Tá tudo certo, a gente é amigo", afirma Bardi.
Os dois sabem que precisam que todo mundo corra rápido. Afinal, a grande chance de medalha olímpica é no revezamento, composto por quatro atletas. "Tem chance não só de medalhar, mas de ganhar (a prova) A gente tem a melhor passagem do mundo, está correndo muito bem, as pernas estão ficando mais fortes", avalia Bardi.
"Eu preciso que ele seja o cara, que ele corra nove, que todo mundo corra nove. Que seja ele o primeiro, que seja ele, o Aldemir, o Hugo. Claro que eu quero ser o primeiro, mas quero que todo mundo corra nove, porque senão eu não vou ser campeão olímpico, porra. Eu não vou resolver nada sozinho", desabafa Paulo André. Cada um dos dois tem só 22 anos. Ou seja, essa história está só começando.
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