SP comprou corrida de F1 e vai pagar para fornecedora ficar com lucro
Com Julianne Cerasoli
A prefeitura de São Paulo adquiriu, por um valor sigiloso, o direito de realizar uma corrida de Fórmula 1 por ano no Brasil até 2025. Depois disso, contratou, por R$ 20 milhões ao ano, uma empresa para fazer a operação da prova, o que inclui desde treinamento de fiscais até montagem de arquibancada provisória. Esse contrato prevê que a fornecedora de serviços fique com os lucros da corrida cujos direitos pertencem ao município de São Paulo. Tais receitas, somadas, costumam ser medidas em centenas de milhões de reais.
É usual, mas não regra, que governos se envolvam na negociação de atração de corridas de Fórmula 1, inclusive colocando dinheiro, uma vez que os GPs movimentam a economia local. Mas os impostos gerados não são a única forma de retorno de investimento. O dono da prova também recebe dinheiro com a venda de ingressos, alimentos, bebidas etc, com acordos publicitários (o que inclui naming rights) e todo o tipo de exploração comercial.
No caso do Brasil, o direito de explorar esses negócios foi adquirido pela Prefeitura de São Paulo ao fechar acordo com a Fórmula 1. Mas foi, depois, repassado à empresa Brasil MC Brazil LPG Holdings, nome comercial Brasil Motorsport, que também vai receber R$ 20 milhões por ano da prefeitura para, em troca, fazer a operação da corrida como um todo.
Ou seja: a cidade de São Paulo vai pagar um valor não revelado à Fórmula 1 (em outros países chega a R$ 300 milhões), mais R$ 20 milhões à Brasil Motorsport, por cada prova, de 2021 a 2025. E, em troca, ficará apenas com os impostos gerados. Já a Brasil Motorsport vai ficar com todo o lucro da corrida mais R$ 20 milhões da Prefeitura de São Paulo.
Qualquer reforma em Interlagos exigida pela F1 é responsabilidade da prefeitura, que falhou em privatizar o autódromo. Pelo contrato, cabe à administração municipal "todos os esforços necessários para o aperfeiçoamento e manutenção do autódromo" e "cumprir as condições determinadas pelas autoridades internacionais que supervisionam o GP (FIA e FOM)".
Até o ano passado, a empresa Interpub, de Tamas Rohonyi, era a proprietária dos direitos sobre o GP Brasil, que adquiriu em um contrato privado com a Fórmula 1. Paralelamente, Tamas tinha um contrato com a prefeitura, que se comprometia a auxiliar anualmente na infraestrutura e a manter o autódromo atualizado. A administração municipal fazia isso contratando empresas terceirizadas, especializadas em segurança, montagem de arquibancada, limpeza etc, e não repassava dinheiro a Tamas, que ficava com os lucros de vendas de ingressos, naming rights e placas de publicidade. Em 2019, último ano em que foi realizada, a prova custou R$ 36,5 milhões aos cofres municipais.
Mesmo assim, a Casa Civil de Bruno Covas (PSDB) alegou, em toda a discussão interna em torno da contratação da Brasil Motorsport, que gastava em média R$ 48 milhões por ano com a Fórmula 1. E que, por isso, o custo de R$ 20 milhões, do contrato com a Brasil Motorsport, é uma economia — há uma cláusula estipulando que, se a empresa gastar menos do que isso, deve devolver o excedente. Em nenhum documento público, a Casa Civil cita quanto a prefeitura vai gastar, por ano, pela compra dos direitos da corrida junto à F1. É a soma desses dois valores que determina o custo da corrida para os cofres municipais a partir deste ano.
A gestão Bruno Covas está usando a Lei de Falências para decretar sigilo sobre todos os documentos relativos ao contrato firmado com a F1. A reportagem pediu acesso, via Lei de Acesso à Informação, a despachos internos da prefeitura relativos a esse contrato, como o parecer jurídico, mas a Casa Civil negou. A reportagem vai recorrer. Procurada via assessoria de imprensa, a prefeitura também não informou valores do contrato, alegando sigilo.
Tudo que se sabe é que, ainda em 2020, a prefeitura adiantou R$ 17,7 milhões desse contrato, e depois estão previstos valores anuais. Em outras corridas, o valor do "fee", como é chamado o montante pago por uma localidade à F1, varia de R$ 100 milhões a R$ 300 milhões ao ano.
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