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Saltador desiste de mestrado na Rússia para se dedicar à Olimpíada
Durante quase todo o último quarto do século XIX, Samory Touré foi o líder de um importante império, desses sobre os quais só não nos ensinam nas aulas de história porque ficava na África e não na Europa. Entre 1874 e 1898, foi rei e herói da resistência contra a colonização francesa da África Ocidental. Um século e meio depois, outro Samory quer conquistar o mundo.
Batizado em homenagem ao herói africano, forma encontrada pelos pais para reconectar a família à sua ancestralidade, o gaúcho Samory Uiki Bandeira Fraga, de 24 anos, está qualificado para os Jogos Olímpicos de Tóquio no salto em distância. Dividido entre os estudos e o atletismo, escolheu adiar o sonho do mestrado na Rússia. Primeiro, o atleta brasileiro tem uma mensagem a passar através do esporte.
"Eu gosto de me ver como exemplo de uma história vencedora. A gente sabe que é super difícil ser negro no Brasil. É uma realidade difícil. A gente não tem as mesmas oportunidades, não é muito valorizado, não tem muita chance de ascender socialmente, e o esporte foi muito importante porque me proporcionou tudo que eu tenho. Me vejo muito como um espelho, modelo, para crianças carentes, negras, um exemplo para que elas saibam que o esporte muda a vida. [Um exemplo] Que vale a pena treinar, estudar, que tu pode chegar em algum lugar", diz Samory, cujo segundo nome, Uiki, em iorubá, significa mel.
Desde os 8 anos, quando ingressou na Sogipa a partir de um programa social voltado a comunidades carentes de Porto Alegre, a história de Samory é amarrada ao esporte. Destaque nas provas de salto em altura, corridas com barreira e de salto em distância no clube gaúcho, ele recebeu do clube uma bolsa de estudos em um colégio de elite porto-alegrense, onde estudou até completar o ensino médio.
Campeão mundial escolar aos 15 e finalista do Mundial Sub-18 aos dezesseis, Samory recebeu convites para cursar faculdade nos Estados Unidos. A dedicação para ficar fluente em inglês valeu a pena. "Via filmes em inglês, jogava jogos em inglês, lia livros em inglês. E nas viagens com a seleção de base, eu podia praticar inglês, era o tradutor da galera, gostava muito", conta. Ele até passou no vestibular de Direito na concorrida UFRGS, mas seu caminho era outro.
A família fez uma vaquinha para comprar a passagem e garantir o dinheiro dos primeiros meses, Samory arrumou a mala e seguiu para os Estados Unidos onde estudou na Universidade de Kent State, em Ohio. Lá, consolidou sua paixão por Relações Internacionais.
"Eu sempre fui uma criança muito curiosa, sempre tive curiosidade de entender por que o mundo é do jeito que é. As relações internacionais mexem muito com isso: relações de poder, economia, política, e isso, aliado às viagens que o atletismo me proporcionou, conhecer outras culturas, me fez ter esse clique de ver que relações internacionais era a coisa para mim", lembra o saltador. Samory fala inglês e espanhol fluentemente e está aprendendo o alemão.
Os quatro anos estudando fora e se submetendo às regras da NCCA, porém, viraram um freio, não um impulso, à carreira esportiva de Samory, que já saltava 7,66 m aos 16 anos e só foi melhorar esse desempenho aos 21. Esta história começou a mudar com uma ajuda do destino.
Por ser atleta da casa, ele conseguiu vaga para um amigo, Almir dos Santos, disputar um torneio local em Kent no começo de 2018. Almir, que não tinha nenhum resultado relevante nem sequer nacionalmente, surpreendeu ao fazer índice para o Mundial Indoor no salto triplo. Menos de dois meses depois, já era medalhista da prata no Mundial.
"Um dos motivos pelo qual eu decidi voltar e ir para a Olimpíada era justamente me espelhando nele. Assim como ele chegou lá, eu poderia também. Ter alguém que já sabe o caminho seria muito mais fácil. Ter ele como parceiro de treino foi muito positivo e me influenciou muito. A gente está constantemente batalhando, treinando juntos para chegar mais longe", conta Samory.
Depois de formado em Relações Internacionais, ele voltou à Sogipa e foi treinar novamente com Almir sob os cuidados do veterano técnico Arataca. Aos 24 anos, em sua segunda participação em uma edição do Troféu Brasil, no ano passado, ganhou a medalha de prata com o então melhor salto da carreira: 7,93 m.
"Foi ali que a Olimpíada virou algo mais concreto. Por causa da pandemia, a gente ficou três quatro meses em casa e nosso clube ficou abrindo e fechando. Não treinava direito, tinha que ser criativo no treino, e mesmo com todas as adversidades eu consegui a melhor marca da minha vida, sem ter carga de treino boa. Isso me deu muita confiança e sonhar com a Olimpíada passou a ser algo concreto", ele lembra.
Por via das dúvidas, Samory manteve um plano B e se inscreveu para cursar mestrado em administração do esporte na Universidade Olímpica de Sochi, na Rússia. O resultado sai em setembro, mas o gaúcho já sabe que, por enquanto, não vai se dedicar à academia, somente ao esporte. Isso porque, no sábado passado, ainda longe de estar 100% em forma, ele se tornou o primeiro brasileiro a alcançar o índice olímpico no salto em distância, com 8,23 m, um milímetro a mais que o mínimo necessário.
O passaporte só não está carimbado para Tóquio porque se outros três brasileiros fizerem marcas melhores que a dele (um cenário muito improvável), Samory está fora.
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